Friday, July 27, 2007

DIE LISTE #28

Basil Kirchin – “Worlds within worlds” (1974)

Mundos dentro dos mundos, sons dentro dos sons, é aquilo que nos propõe Basil Kirchin neste singular trabalho de transformação da percepção do som e da música. Concretizando a gramática de uma nova linguagem musical por ele mesmo concebida, com a ajuda da tecnologia existente no princípio dos anos 70, o patrocínio do Arts Council of Great Britain e o engenho do suíço Kudelski, que na fábrica dos gravadores Nagra desenvolveu a máquina necessária à realização do projecto do músico visionário, Basil Kirchin alarga os limites da nossa capacidade auditiva, revelando-nos mundos inauditos dentro da nossa experiência banal. O álbum foi construído sobre os sons captados e gravados de um gorila, dois bicos-de-corno, quatro flamingos, vários insectos, aviões e outros motores amplificados e reproduzidos a baixas velocidades, mas acoplados com peças musicais interpretadas por um corno alpino, um trompete (flugelhorn), duas madeiras, um violoncelo, um contrabaixo e um orgão, também elas devidamente transformadas e editadas de modo a torná-las irreconhecíveis. Porque o objectivo de Kirchin foi o de permitir a cada um dos seus ouvintes a penetração auricular dos sons analisados e dissecados para aí descobrir aquilo que cada um conseguisse e quisesse ouvir. Controversa foi, porém, a inclusão de gravações feitas numa instituição de saúde para autistas em Schurmatt, na Suíça, responsável pelo forçado silenciamento deste disco que se tornou uma raridade e apenas por sorte foi parar a esta lista de que temos vindo a tratar.
Basil Kirchin não foi, no entanto, um mero excêntrico ou um curioso alienado, mas um experimentado músico que começou a sua carreira muito jovem como baterista, tocando numa jazz band liderada pelo seu pai, Ivor Kirchin, durante a época dos borbadeamentos de Londres pelos alemães, na 2ª Guerra Mundial. Juntando-se em 1946 a uma das primeiras e mais bem sucedidas big bands britânicas, Harry Roy and His Orchestra, e no fim dos anos 40 à banda de Ted Heath, alcançou considerável sucesso, tendo formado, nos anos 50, com o seu pai a sua própria New Kirchin Band. Tendo gravado vários discos para a Decca e para a Parlophone, esta banda tinha a peculiaridade de ser a única, na altura, que tocava sempre ao vivo, com o seu próprio PA, pelo que todas as sessões haviam sido extensivamente registadas. Este fabuloso espólio haveria, no entanto, de perder-se tragicamente num acidente no porto de Sidney, numa época em que Basil Kirchin cansado das Big Bands havia decidido viajar pela América, Europa, Índia e Austrália. De regresso a Inglaterra, no início dos anos 60 começou a fazer bandas sonoras para televisão, cinema, teatro e gravações para fonotecas. De toda esta experiência resultou concerteza a habilidade e energia para criar a sua nova linguagem que, não obstante o insucesso comercial, ganhou adeptos no movimento industrial (como é fácil de reconhecer ao ouvirmos este disco) e na música ambiental, onde Brian Eno, por exemplo, admitiu a influência do músico britânico.
O disco “Worlds within Worlds” incluído na lista de NWW corresponde à terceira e quarta partes do projecto (lados A e B do LP), tendo sido as primeira e segunda partes editadas já em 1971. Para além do que já foi dito é muito difícil e inoperante descrever verbalmente o conteúdo deste disco, pelo que o melhor é mesmo ouvir. Fiquemos com um excerto do lado B: “Evolution”.

Tracklist:

Lado A
Part. 3 - Emergence (17:59)

Lado B
Part. 4 - Evolution (17:03)

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Wednesday, July 18, 2007

[Não foi possível encontrar uma reprodução digitalizada da capa do disco. No entanto, pode ser encontrada uma fotografia no blog Mutant Sounds]

DIE LISTE #27

Pekka Airaksinen – “One Point Music” (1973)

Tal como na crónica anterior, o disco desta semana vem da Escandinávia, porém, desta vez, da bem mais obscura e (até ao momento) inaudita Finlândia. A obscuridade finlandesa não se deve apenas ao pouco sol que por lá irradia, mas sobretudo a uma informação encriptada por uma língua inacessível ao latino médio. No entanto, se hoje em dia a música suomi tem já alguma divulgação e até bastantes fãs no ocidente europeu, nos finais de 60 e inícios dos anos 70, a informação era bastante mais esotérica. Um esforço recente em fazer uma arqueologia da música electrónica e de vanguarda feita na Finlândia permitiu descobrir uma “cena” bastante activa e prolífica e, em alguns casos, como no do disco desta semana, uma criação original e visionária. Pekka Airaksinen, ao lado de Erkki Kurenniemi, foi um dos nomes pioneiros da música experimental finlandesa. Inspirado por nomes como Kagel, Stockhausen, Cage ou Riley, desde os anos 60 que Pekka Airaksinen desenvolvia as suas actividades musicais, sobretudo com o literalmente seminal colectivo The Sperm, cujo único disco “Shh!” também está na lista, e que foi fundado por ele e pelo filósofo Mattijuhani Koponen, este também conhecido pela escandalosa performance num dos concertos da banda em que simulava sexo com um piano de cauda, o que lhe valeu oito meses de prisão. Mas se o desempenho em palco primava pela irreverência e pelo escândalo – o equivalente escandinavo dos Coum Transmissions – a música anunciava com muita antecedência o experimentalismo escatológico e industrial dos Throbbing Gristle. E Pekka Airaksinen foi o principal responsável pela criação musical dos The Sperm, de modo que anos mais tarde edita a solo um conjunto de peças compostas entre 1968 e 1971, no disco “One Point Music”.
O minimalismo enunciado no título do álbum reflecte-se nas faixas do LP, mas não nos recursos criativos de Airaksinen, que recorre a fontes electrónicas e acústicas variadas para surtir efeitos, por vezes, timidamente meditativos, e, na maior parte das vezes, psicadélicos. Não obstante as referências mais eruditas da música concreta francesa e dos estúdios de electrónica alemã, Pieni sienikonsertto (Concerto de um pequeno cogumelo) ou, alternativamente, A Little Soup for Piano and Orchestra op. 46.8 revela uma estrutura e uma energia mais próximas da improvisação afro-americana do jazz ou do rock. No entanto, não menos bizarra, esta sopa para piano – preparado, está claro – e orquestra – de inclassificáveis ruídos e marteladas – foi gravada em 1970 num Departamento de Musicologia e é assombrada por fantasmáticas “falhas” de gravação invertida. Mo-On-ing, do ano seguinte, é uma cacofónica peça para percussão doméstica e histriónico orgão eléctrico que faz adivinhar a inspiração de um dos momentos da terceira faixa do próprio Chance Meeting on a Dissecting Table of a Sewing Machine and an Umbrella dos NWW. Sadetta (Some Rain) de 1968, aparentemente, terá mesmo sido composto a partir das gotas de chuva que Pekka Airaksinen previamente gravou. O lado B do disco é preenchido por três faixas de 1968 – Skara, S Rock e Fos 2 - que completam a música para a peça Sisyfos, onde as influências de Stockhausen, Iannis Xenakis ou Gottfried Koenig parecem estar bem presentes como referem as notas do disco. Ouçamos Pieni sienikonsertto e logo depois Fos 2.

Lado A
1 Pieni sienikonsertto - A Little Soup for Piano and Orchestra op. 46.8 (1970) 8:37
2 mo-On-ing (1971) 5:26
3 Sadetta - Some rain (1968) 6:16

Lado B - Music for the Play Sisyfos (1968):
1 Skata (6:12)
2 S rock (6:26)
3 Fos 2 (5:50)

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Tuesday, July 03, 2007


DIE LISTE #26

Arbete och Fritid – “Hall Andan” (1979)

A Suécia dos anos 70 foi um caldeirão fervilhante de ideias e criatividade, como já pudemos comprovar com os discos de Algarnas Tradgard, International Harvester e Zammlaz Mammaz Manna que já por estas crónicas passaram. Esta semana é de novo da Suécia que chega “Hall Andan”, um disco de 1979 dos inacreditavelmente ecléticos e, por isso também, inclassificáveis Arbete och Fritid. Com alguns membros que haviam já passado pelos International Harvester e pelos Träd, Gräs och Stenar, e outros experimentados músicos do jazz improvisado, os Arbete och Fritid (Trabalho e Lazer) têm a capacidade camaleónica de, num ápice, passar do rock’n’roll ao folk ácido, mas não se detêm no puro jogo paródico, antes pelo contrário criam muitas vezes estruturas inovadoras que tanto fundem os géneros como os fazem implodir para construir sobre eles inauditas sonoridades. Historicamente, o seu contexto de aparecimento foi o rock psicadélico sueco e o jazz de improvisação, mas as suas composições ousadas estão mais perto da desconstrução vanguardista, informada e bem humorada do RIO (Rock In Opposition) do que das derivas contemplativas do rock progressivo. O que não exclui porém as suas longas e meditativas raggas que devem mais à vocação orientalizante das procuras rítmicas e tímbricas dos minimalistas americanos (La Monte Young ou Terry Riley) do que à mera citação exótica de paraísos perdidos, tão ao gosto da ideologia hippie que os viu nascer.
Ainda que a banda tenha começado já em 1969, “Hall Andan” conserva a energia inaugural e a alegria revolucionária de um início, mas já com a destreza e experiência criadora que dez anos de carreira podem promover. “Harmageddon Boogie” abre animadamente o disco com um ritmo de rock’n’roll onde se esculpem vociferantes imprecações de cariz político, provando que debaixo de uma histérica anarquia musical existe uma mensagem empenhada e interessada. “Kalvdans” é muito provavelmente a razão principal da inclusão deste disco na lista, pois o seu carácter informe é tão belo como a “retractilidade das garras das aves de rapina; ou ainda, como a incerteza dos movimentos musculares nas chagas das partes moles da região cervical posterior...” E, logo a seguir, "Jag Föddes En Dag" explode com a raiva do punk rock, estampa-se abruptamente contra um segmento de free-jazz e funde-se como metal quente num misterioso lamento eléctrico urbano-depressivo. John Zorn não teria feito melhor! “Kopparna Pa Bordet” é o princípio do lado B, com uma balada que soaria bem num festival de milho no Midwest americano se não tivesse a delicadeza consonântica da fonética sueca. Aliás, o curto segmento de folk medieval que lhe segue faz-nos regressar de modo claro à Escandinávia, mas como breve entremez que antecede a longa meditação de “Dorisk Dron”. Porém, o efeito psicotrópico perdura na improvisação final em “Thulcandra”. Mas antes de tomar qualquer analgésico, ouçamos “Kalvdans”.

Tracklist:

Lado A
1. Harmageddon boogie (3:18)
2. Kalvdans (10:41)
3. Jag föddes en dag (8:04)

Lado B
1. Kopparna på bordet (7:22)
2. Vägvisa (1:25)
3. Dorisk dron (6:50)
4. Thulcandra (7:34)

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DIE LISTE #25

Arzachel – “Arzachel” (1969)

Arzachel é uma cratera de impacto situada nas terras altas da parte central-sul da face visível da lua e deriva a sua denominação da latinização do nome do grande astrónomo árabe do século XI, Al-Zarqali. Mont Campbell reparou um dia, colado nas paredes da sua casa de banho, num póster com as crateras da lua e deu aos seus colegas a ideia de usar aquele nome para pôr na capa de um disco que acabavam de gravar em oito horas! Na verdade, os quatro amigos, que se tinham conhecido no liceu, haviam tido uma banda de nome Uriel, mas um deles (Steve Hillage) saíra da banda para ir para a universidade e os outros três haviam formado uma outra, os Egg, que tinham acabado de assinar um contrato com a famosa editora Decca. Como parecia mal gravar agora um disco para outra editora, usaram pseudónimos, inspirados nos seus professores de escola mais odiados, para si mesmos e, outro retirado de uma casa de banho, para a própria banda. Este terá sido portanto o disco nunca gravado dos Uriel e o único disco de uma banda que não existiu, os Arzachel. Tal obscuridade valeu-lhes no início o total fiasco nas vendas, mas com o passar dos anos e das lendas tornou este disco mais uma daquelas raridades tão cobiçadas pelos coleccionadores. O interesse do disco não está porém nestas anedotas históricas nem na valorização económica do álbum, mas na sua peculiaridade discográfica e criativa.
Não se sabe que substâncias psicotrópicas terão ingerido os quatro músicos ao gravar este disco ou mesmo se os técnicos do estúdio estariam sob o efeito de drogas naquelas oito horas – o que não seria de estranhar naquele ano de 1969 e a julgar pela instabilidade da gravação -, no entanto, pode ouvir-se aqui o que muitos consideram ser o mais psicadélico dos álbuns gravados em Inglaterra. E os miúdos, que haveriam de ter carreiras famosas (nos Gong, Egg, National Health ou Khan), não tinham sequer 20 anos quando gravaram “Garden of Earthly Delights”, a peça que abre o disco de um modo relativamente convencional, mas onde sobressaem já os clusters de órgão de Dave Stewart (o verdadeiro nome de Sam Lee-Uff) e os solos de guitarra de Steve Hillage (pseudo-creditado como Simeon Sasparella). A segunda faixa, “Azathoth”, tem uma força hipnótica que rapidamente nos atrai numa espiral de ruído para o centro do universo, governado por essa negra divindade do imaginário de H. P. Lovecraft. A distorção é uma das marcas da música psicadélica, mas é epitomizada de forma magistral nesta pequena faixa. “Queen St. Gang” continua o delírio anterior, ainda que com a máscara da contenção. “Leg” reenvia para uma das grandes influências manifestas neste álbum, o blues, porém, o encantamento triste das margens do delta é aqui arrastado por uma violenta catadupa, a que não é alheia a energia investida pelo baterista, Basil Dowings (ou Clive Brooks, de seu nome de baptismo), conhecido por ter já na altura partido quatorze baquetas em bares onde haviam tocado. Vira-se o disco e no lado B, encontram-se apenas duas faixas longas. A primeira, “Clean Innocent Fun”, é mais uma libertação de energia, a acreditar nas declarações do elemento mais africano do grupo, Njerogi Gategaka (também conhecido por Mont Campbell), onde afirma que “a música deriva do desejo sexual”. Mas o final do disco é um épico monumento à experimentação e ao desvio psicotrópico: “Metempsychosis”, que admite, como o nome indica, a transmigração das almas entre os corpos dos quatro membros para criar uma fusão megalítica de electricidade e distorção. Comecemos de mansinho com “Azathoth” e depois ouçamos, mas apenas até ao fim do tempo regulamentar, “Metempsychosis”, pois na sessão de gravação decidiram acabar a faixa quando, de olhos postos no relógio do estúdio, acharam que já tinham o suficiente para ter um álbum completo.

Tracklist:

Lado A
1 Garden Of Earthly Delights (2:45)
2 Azathoth (4:22)
3 Queen St. Gang (4:25)
4 Leg (5:42)

Lado B
1 Clean Innocent Fun (10:26)
2 Metempsychosis (16:49)

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DIE LISTE #24

Luc Ferrari – “Presque Rien nº2” (1977)

“Quase nada” parece compôr o disco desta semana. E, no entanto, ele está cheio de sons, os sons de uma noite calma que o sonoplasta pretendeu captar com os seus microfones. Mas tal como nos primeiros filmes dos irmãos Lumière, “l’arroseur [est] arrosé”, ou, no caso específico, o sonoplasta é tomado pela própria noite que tentava tomar, penetrando-lhe a cabeça. Desta invasão psicanalítica resulta uma dupla descrição: a da paisagem exterior modificada pela tópica psíquica interior do compositor e a da própria composição que acrescenta “quase nada” àquela - a sua imaginação da realidade. E “assim continua a noite na [sua] múltipla cabeça”, que é como diz o subtítulo desta composição de Luc Ferrari de 1977, editada em LP pelo Groupe de Recherches Musicales, apenas em 1980, juntamente com uma outra composição “Promenade symphonique dans un paysage musical”. Esta gravada entre 1976 e 1978 e realizada inicialmente numa versão audiovisual que procurava documentar um dia de festa na localidade argelina de El Oued.
Luc Ferrari foi um famoso compositor de música concreta, nascido em Paris em 1929. Foi ali aluno de Olivier Messiaen e Arthur Honnegger e depois, na escola de Darmstadt, foi colega de Stockhausen. Aí terá talvez ganho o gosto pelo Hörspiel, isto é, a forma germânica de ficção sonora radiodifundida, misturando documentário radiofónico, paisagem sonora, música e edição de estúdio. Uma espécie de “Cinéma pour les Oreilles” na célebre expressão de Michel Chion, que também editou peças musicais de Luc Ferrari. Na verdade, as peças de Ferrari neste disco, são “passeios” sonoros ficcionados, um pela noite e o outro pelos mercados de El Oued. Aliás, na edição em CD de “Presque Rien”são acrescentadas duas outras obras: uma “quase” com o mesmo nome – “Presque rien nº1”- gravado entre 1967 e 1970, que descreve o amanhecer numa aldeia de pescadores e “Music Promenade”, entre 1964 e 1967, onde mais uma vez o “passeante” é surpreendido pelo ambiente sonoro, desta vez com uma violência particular, pois ele é invadido pelas valsas vienenses, pelo fogo de artifíco e pelas marchas populares: sim, as nossas marchas populares, do Santo António e do São João. Uma escuta activa, como se requer sempre perante este tipo de registo, permite-nos “quase” decifrar os gritos das varinas e dos populares de Lisboa nas noites de festa! Escutemos então, com muita atenção, um excerto de Presque rien nº2 [a sétima faixa do CD, chamada Presque rien 2 –b] e logo depois um excerto de Music Promenade [ a 2ª faixa do CD, Music Promenade –b].

TrackList:

Lado A Presque Rien No 2 (Ainsi Continue La Nuit Dans Ma Tête Multiple) (21:00)
Lado B Promenade Symphonique À Travers Un Paysage Musical (Un Jour De Fête À El Oued En 1976) (32:00)

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DIE LISTE #23

Lard Free – “Gilbert Artman’s Lard Free” (1973)

“L’Art Fri” é o que lê um francês na capa deste disco que tem muito pouco que ver com música fina ou sem gordura e muito mais com música livre ou jazz-rock ou avant-prog ou o que lhe queiram chamar. Pois este álbum vem mesmo de França, apesar de ter sido gravado em Inglaterra. Gilbert Artman, ou “Gilbert Homme de L’Art”, nasceu do lado de cá do canal da mancha, ali na Normandia, mas já depois do desembarque, em Livarot, e haveria de ser o líder dos míticos Urban Sax. Foi baterista numa orquestra de Jazz ali na zona, mas preferiu ir para a capital, onde se tornou decorador de interiores. Porém, para sobreviver ao tédio do papel de parede ou ao spleen de Paris, tocava êxitos anglo-americanos no grupo Hara-Kiri. E depois do Maio de 68, deixou surpreendentemente uma promissora carreira na decoração para se dedicar à música a tempo inteiro, tocando com nomes importantes do jazz num clube em Saint-Michel. A partir de 1970 começa a tocar com aqueles que viriam a formar com ele os Lard Free. Influenciados pela Cena de Canterbury, houve quem lhes chamasse os futuros Soft Machine franceses, mas bem depressa se libertariam dessa expectativa criando algo diferente e singular. Em 1973, gravam num estúdio em Inglaterra este primeiro álbum, concebido e acabado em 36 horas: Gilbert Artman’s Lard Free, porque, de facto, ele é a principal figura do grupo, assim como nos Heldon, Richard Pinhas o seria. Um multi-instrumentista que toca bateria, vibrafone e piano Steinway neste disco, ao lado de Hervé Eyhani, responsável pelo baixo e pelo sintetizador ARP, Philippe Bolliet, com os saxofones, e François Mativet, na guitarra.
O disco abre com uns acordes de baixo e uma batida num ritmo “groovy”, mas é invadido progressivamente por ataques longos de saxofone, por uma guitarra irritada e massivos clusters eléctricos: warinobaril? A segunda faixa, um estranho trocadilho com um filme de Godard, “12 ou 13 Juillet que je sais d’elle”, começa com uma estranha sequência electrónica que recorda prolepticamente Chris Carter ou, com maior grau de certeza, Conrad Schnitzler. Sim, porque Lard Free tem o seu quê de “rock choucroute”. Aliás, nos álbuns segintes aproxima-se cada vez mais dos seus congéneres alemães, mas neste já se faz sentir o rock espacial e atmosférico, ainda que o jazz rock de vanguarda ainda domine. “Honfleur écarlate”, guarda um certo psicadelismo rural do seu título, mas investe um saxofone inequivocamente urbano, galvanizado pelos efeitos de estúdio. O mesmo acontece em “Acide Framboise”, onde as improvisações psicadélicas são estruturadas por uma bateria aventureira mas firme, como em todo o álbum, já que é o instrumento líder de todo o projecto. Um pouco mais onírico e nostálgico, como o nome indica, “Livarot respiration”, antecede um sufocante e proto-industrial “Culturez-vous vous-même”. Ouçamo-lo logo depois da segunda faixa.

Tracklist:

1. Warindbaril (3:52)
2. 12 ou 13 juillet que je sais d’elle (8:54)
3. Honfleur écarlate (4:53)
4. Acide framboise (6:43)
5. Livarot respiration (7:45)
6. Culturez-vous vous-mêmes (4:21)

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