Thursday, July 17, 2008

DIE LISTE #58

Jacques Thollot – “Quand le Son devient aigu, jeter la girafe à la mer” (1971)

Há quarenta crónicas atrás, falou-se do primeiro disco a solo de Robert Wyatt, o famoso baterista-cantor dos Soft Machine: um disco em que explorava várias soluções possíveis para uma estrutura que girava à volta da bateria, numa abordagem muito experimental mas não menos poética. Hoje, é a vez de Jacques Thollot, um baterista prodígio no lado de cá do canal da Mancha que, no mesmo ano de 1971, viu o seu primeiro trabalho a solo ser editado pela lendária Futura Records. “Quand le Son devien aigu, jeter la girafe à la mer” é o nome algo surrealista para as experiências poéticas em volta desta bateria com sotaque francês, mas que falava num idioma que cruzou o free jazz com uma música contemporânea expurgada de quaisquer academismos. A formação de Jacques Thollot foi aliás tudo menos académica, pelo menos no sentido tradicional.
Um gosto táctil pelo metal dos pratos e a pele esticada dos tímbalões terá precipitado o seu contacto com a percussão, o qual sucedeu logo na infância, gosto aliás partilhado com o seu irmão com quem formou uma pequena banda de jazz inspirada pelos sons de New Orleans que ouvira em discos de 78 rotações. O seu talento para a música, mas também para a performance, não passou despercebido, desde logo, quando se organizaram clandestinamente para tocar no funeral de Sidney Bechet e para lhe fazer uma homenagem póstuma no cemitério de Garches, a oeste de Paris. Pouco tempo depois, ainda na primeira adolescência, tocava no Club St-Germain “Night in Tunisia” com Bernard Vitet. Nos finais dos anos 50, a rive-gauche parisiense era o cenário do existencialismo, mas também do início da nouvelle vague, num momento em que ainda se podia assistir a concertos quase quotidianos de nomes lendários como Bud Powell, Chet baker, Don Cherry, e que, juntamente com as drogas, o álcool e as strippers, acabaram por constituir a escola prática do puto Thollot que com eles ali se cruzava e convivia. Uma passagem acidental pelo conservatório e a ajuda do famoso Kenny Clarke, que se ofereceu para lhe ensinar umas coisas no Blue Note, não desmente uma formação essencialmente autodidacta, que completou na sua experiência seguinte com Éric Dolphy, Steve Lacy, Barney Willen, Sonny Sharrock, uma lista infindável de talentos que o preparou para esta sua primeira experiência a solo que hoje escutamos.
Jacques Thollot tocou todos os instrumentos, percussão, piano, órgão e Claude Martenot produziu o álbum, adicionando-se, onde se revelava necessário, a magia da tecnologia para dar por vezes às faixas um som magnético e onírico, que ressoa as experiências concretas dos estúdios do GRM. Oito faixas compõem o lado A e outras seis, o lado B. “Cécile” terá sido talvez um amor perdido, mas o seu mistério hipnótico e a atracção obsessiva que exerceu traduziu-se ritmicamente nesta faixa que abre o álbum e que nos prende desde o seu início numa tela sonora de estranheza familiar que embala a nossa imaginação. “Qu’ils se fassent un village ou bien sommes nous qui s’en allons” tem uma tensão dramática criada pelo piano que acompanha essa acção de protesto sustentada pelos megafones e pelo rufar percussivo dos tambores. Ao ouvirmos “Quiet days in prison” não podemos deixar de pensar no andamento extremamente lento de “Quatuor pour la fin des temps” de Olivier Messiaen, composto quando este era prisioneiro de guerra dos alemães na 2ª GM. Por fim, N.G.A. é uma curta mas frenética e histericamente desafinada incursão pelo bebop, num estilo “un poco loco” que faz lembrar Bud Powell. São estas as faixas que seleccionámos para escutar já de seguida, sabendo que antes nos acompanhava “Aussi long que large”.


Tracklist:

Lado A
1 Cécile (3:55)
2 Position Stagnante De Réaction Stationnaire (1:20)
3 Enlevez Les Boulons, Le Broiseur Se Désagrège (2:20)
4 Mahagony Extraits (3:00)
5 Qu'Il Se Fassent Un Village, Ou Bien C'est Nous Qui S'en Allons (2:15)
6 Aussi Long Que Large (5:05)
7 Quiet Days In Prison (2:40)
8 De D.C. Par J.T. (1:30)

Lado B
1 Virginie Ou Le Manque De Tact (3:40)
2 N.G.A. (1:20)
3 Aussi Large Que Long (9:45)
4 Quand Le Son Devient Aigu, Jeter La Girafe A La Mer (4:50)
5 Marche (1:15)
6 A Suivre (0:30)

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DIE LISTE #57

Collegium Musicum – “Konvergencie” (1971)

Tal como na crónica anterior, o grupo de hoje também vem da antiga Checoslováquia. Porém, se os The Plastic People of the Universe chegavam directamente de Praga e cantavam em checo, os Collegium Musicum vinham do outro lado da ex-República Socialista, de Bratislava, hoje capital da Eslováquia e cantavam em eslovaco. Liderados pelo seu organista e compositor principal, Marián Varga, estiveram sobretudo activos entre 1970 e 1981 e “Konvergencie”, o álbum escolhido desta semana, é um dos melhores exemplos da sua música progressiva, informada pela formação clássica de Varga e pelo psicadelismo que governava todo o rock da época. Enquanto outros fundiam o rock com o jazz e com o folk, a marca distintiva dos Collegium Musicum é a fusão com a música barroca, clássica e pós-romântica de compositores como Bach (o primeiro single chamou-se precisamente “Hommage to J. S. Bach”), Haydn (“Concert in D” era uma das faixas do primeiro LP homónimo dos Collegium Musicum) ou Rimsky-Korsakov (que oferece os temas musicais de uma das faixas deste “Konvergencie”). Não que os outros géneros não aparecessem nos discos do grupo eslovaco, mas a tradição erudita que Varga recebeu desde os seis anos de idade, quando começou a frequentar uma escola artística em Bratislava, e depois durante todo o seu percurso académico, que o fez passar pelo conservatório da mesma cidade, influenciou-o determinantemente nas suas composições e arranjos. O próprio nome da banda é inspirado pelas sociedades de música que surgiram na Alemanha e Suíça, durante a Reforma protestante e que se mantiveram activas até ao século XVIII, e cuja vocação, ao contrário de outro tipo de sociedades da mesma época, era o cultivo da música para o prazer, não só de uma elite, mas de toda a comunidade; a ponto de se reconhecer na sua actividade os primeiros concertos públicos.
Tal como nesses collegia, também a música desta banda checoslovaca se destina ao público em geral, promovendo sobretudo o espírito festivo da música e não deixando transparecer uma mensagem política, como era o caso dos Plastic People of the Universe, que pudesse comprometer o futuro das explorações artísticas de Marián Varga. Isto não significa, no entanto, que estes músicos se entregassem aos facilitismos de uma música fácil e popularucha, antes pelo contrário, a intenção era progressiva e apresentava uma sincera motivação pelo desbravamento de novos campos musicais, mesmo que a estratégia, como em muitas outras manifestações pós-modernas daquela época, fosse retrotractiva.
Este álbum, “Konvergencie”, editado em 1971, pela Opus, como um duplo LP, é composto por apenas quatro faixas com cerca de vinte minutos, ou seja, cada faixa correspondendo a cada um dos lados dos vinis. PF abre o álbum. “Suita po tisíc a jednej noci” – que aparentemente significa Suite segundo as Mil e Uma Noites – inspira-se directamente na suite de Rimsky-Korsakov sobre o mesmo tema, chamada “Scheherazade”. “Piesne z kolovrátku” (canções de um realejo) e Eufónia compõem o segundo disco.

Tracklist:
LP 1
Lado A : PF
Lado B : Suita po tisíc a jednej noci

LP 2
Lado A : Piesne z kolovrátku
Lado B : Eufónia

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