Thursday, May 22, 2008

DIE LISTE #56

The Plastic People of the Universe – “Egon Bondy’s Happy Hearts Club Banned” (1974-75)

Há quarenta anos atrás, enquanto os estudantes se agitavam em Paris e os trabalhadores se lhes juntavam nas greves do Maio de 68, do outro lado da cortina de ferro, na, então, Checoslováquia, vivia-se a conhecida “Primavera de Praga”. Cerca de oito meses de reformas, dirigidas por Alexander Dubcek, , entre 5 de Janeiro e 21 de Agosto de 1968, permitiram aos muitos jovens de cabelos compridos e calças de ganga ouvir e imitar os seus ídolos do rock anglo-saxónico, enquanto consumiam substâncias que os alienavam momentaneamente do controlo de Moscovo. Porém, naquela manhã de Agosto os tanques soviéticos haveriam de invadir a capital da Checoslováquia para acabar com a leveza primaveril e despoletar o urgente processo de normalização. Menos de um mês depois o baixista Milan Hlavsa, inspirado pelo nome de uma canção de Frank Zappa, formava os The Plastic People of the Universe, o grupo que se tornaria o símbolo do rock underground de resistência checo e que é o nome que hoje seleccionámos da lista de NWW.
A história do grupo é longa e complexa, mas até ao fim da “cortina de ferro” a marca dominante que a resume é a da sua condição de clandestinidade, que determinou os concertos em situações precárias, em apartamentos de amigos, por ocasião de uma boda, ou no meio de quintas e florestas, anunciados apenas na véspera para evitar a dispersão pela polícia, o que nem sempre aconteceu com sucesso. Aliás a prisão de alguns dos seus membros foi mesmo determinante para uma iniciativa de Vaclav Havel, a Carta de 77, onde se denunciava, nomeadamente, na vizinha Alemanha Federal, a opressão cultural exercida pelo estado checoslovaco, protesto que deu voz e visibilidade a uma série de artistas e escritores que viviam abafados pelo regime. Em 1978, a editora francesa Scopa Invisible Records conseguia tornar público o álbum “Egon Bondy’s Happy Hearts Club Banned”, a partir de maquetes originais em cassetes gravadas entre 1973 e 1974, num castelo boémio, pela banda então constituída pelo referido baixista, pela saxofonista free jazz Vratislav Babenec, pelo violinista Jiri Kabes e por Josef Janicek que musicavam as letras do poeta e filósofo Egon Bondy, um nome fundamental na cultura de oposição ao regime. O som deste álbum distingue-se dos inícios assumidamente psicadélicos e anglo-saxónicos do grupo, quando não faziam mais do que cantar versões dos Velvet Underground, The Fugs ou The Doors, com a voz do canadiano Paul Wilson. Com a entrada do saxofonista Babenec, a banda evoluiu para um som mais progressivo, rentabilizando a experiência e talento consolidados na tradição do Jazz checoslovaco, mas também com uma tonalidade etnomusical dada pelo violino de Kabes que, na verdade havia entrado na banda para imitar o som da viola de John Cale, e que derivava agora para o espírito da Boémia, filtrado ainda pelo psicadelismo que sobrevivera no grupo e temperado pelo humor surrealista das letras sarcásticas de Egon Bondy.
O álbum original em vinil era composto por 4 faixas no lado A e 5 no lado B. A re-edição em CD, já no século XXI, inclui mais oito faixas extra gravadas nos meados da década de 70. Destacaremos a primeira faixa, “Dvacet”, declinando qualquer responsabilidade pela pronúncia adoptada, mas assegurando, pela tradução do site oficial da banda que este título significa “vinte” e se refere a uma pessimista e emética descrição das idades do homem pelo poeta Bondy, numa psicadélica e apesar de tudo humorada interpretação destas gentes de plástico. Depois, ouviremos “Toxika” que relata a irónica experiência do poeta com as suas dependências químicas, provável metáfora para o espírito de alienação, já não do capitalismo, mas do socialismo totalitário. Logo de seguida, ficaremos com “Magicke Noci” (Noites mágicas), uma densa faixa que introduz o uso da electrónica em todo o seu potencial psico-dramático para exprimir num ritual nocturno quase incantatório a esperança na revelação da verdadeira face do Espírito em Praga. Até aqui estivemos na companhia de “Okolo Okna”.

Tracklist:

Lado A
1 Dvacet (Twenty)
2 Zácpa (Constipation)
3 Toxika (Toxica)
4 Magické Noci (Magic Nights)

Lado B
1 Metro Goldwyn Mayer
2 Okolo Okna (Past My Window)
3 Elegie (Elegy)
4 Podivuhodný Mandarin (The Wondrous Mandarin)
5 Jò, To Se Ti To Spí (Look At You, All Sound Asleep)

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DIE LISTE #55

Limbus 4 – “Mandalas” (1970)

Mandala é a palavra sânscrita que significa círculo e, por extensão semântica, esfera, envolvência, comunidade. Mas, no contexto religioso, refere-se a uma representação geométrica que exprime a relação do homem com o cosmos ou de uma divindade com o que a envolve. O processo de construção de uma mandala é uma forma de meditação constante que acompanha movimentos meticulosos e muito lentos, numa experiência ao mesmo tempo religiosa e criativa. Feitas normalmente com areia ou giz, as mandalas apresentam-se muito coloridas e são, por fim, ritualmente destruídas. Foi todo este conceito que inspirou o projecto alemão, Limbus 4, na elaboração do álbum “Mandalas”, editado em 1970, pela lendária Ohr Records. A inspiração etno-religiosa é aliás notória no nome das faixas e traduz-se ainda etnomusicalmente na escolha dos instrumentos usados: para além dos instrumentos ocidentais – violoncelo, baixo, órgão e viola – as flautas transversais, as tablas, e os bem mais exóticos totalophone, tsikadraha, kazoo ou o valiha faray. Sendo, no entanto, uma interpretação alemã da música cósmica, nos anos 70, não é de admirar que aquelas sonoridades apareçam filtradas pelo uso de alguma electrónica e pelo experimentalismo vanguardista da época.
O projecto Limbus havia começado em 1968, na cidade de Heidelberg, procurando fundir, de um modo singular, o jazz, o folk e o espírito de experimentação musical. Um primeiro disco havia sido editado, enquanto eram um trio acústico, os Limbus 3, que também figuram nesta Lista, com o nome New-Atlantis, em 1969. No ano seguinte, passam para Limbus 4, por se terem tornado para este álbum - “Mandalas”-, num quarteto, constituído por Odysseus Artner, Bernd Henninger, Matthias Knieper (o elemento adicional do grupo) e Gerd Kraus. Músicos dos quais muito pouco se sabe, excepto do último que nos anos mais recentes terá pertencido a um bizarro projecto de nome www.knagg.nett e aos Metalimbus. O próprio nome Limbus refere-se a um grupo étnico do Nepal, o que reforça o carácter orientalizante deste projecto. Não sabemos, porém, se foi apenas o fascínio da filosofia e religião orientais que determinaram esta atracção cósmica e musical dos Limbus ou se o factor enteogénico teve a sua parte de responsabilidade.
O disco é assimetricamente dividido em três faixas no lado A e apenas uma longa faixa no lado B. “Dhyana” é outra palavra de origem sânscrita que designa um estado de meditação nas tradições Hindú e Budista, equivalente ao Zen japonês, por exemplo. É este estado que visa o auto-conhecimento que determina o transe musical desta primeira faixa do disco, onde a entoação do famoso ohm parece a princípio dobrar o órgão monódico e é depois progressivamente engolido pelo caos improvisado dos instrumentos de cordas, da percussão e dos sopros. “Kundalini” é a energia cósmica que jaz adormecida ou “enrolada como uma cobra” no Muladhará Chakra, um centro de força localizado junto do sacro e dos órgãos genitais. Ela precisa de ser despertada e conduzida pela meditação, ao longo da coluna vertebral e dos vários chakras, como parece ser traduzido musicalmente nesta segunda faixa do disco. A terceira faixa parece ser um curto “haiku” construído a partir da experiência de improvisação que estes músicos aprenderam no free-jazz. Finalmente, e ocupando todo o lado B, “Plasma” é um longo exercício de exploração das virtualidades de comunicação entre as sonoridades orientais e as experiências da música contemporânea, transferindo assim a retrogradabilidade rítmica e a microtonalidade típicas da música indiana para o contexto ocidental. Fiquemos com “Haiku” e depois “Plasma”. Em fundo, ouvia-se “Dhyana”.

Tracklist:

Lado A
1 Dhyana (10:00)
2 Kundalini (5:46)
3 Heiku (2:08)

Lado B
1 Plasma (19:20)

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DIE LISTE #54

Guru Guru – “Känguru” (1972)

“Käng Käng?” – pergunta a mãe canguru; “Guru Guru!” – responde o filhote, espreitando timidamente fora do marsúpio. Se a isto acrescentarmos que a canguru nos olha, enquanto se equilibra numa paisagem glaciar, obtemos uma descrição sucinta da capa deste terceiro álbum dos Guru Guru, editado pela Brain records em 1972. Uma capa que exprime o humor desconcertante, sempre à beira do absurdo, de um dos mais relevantes grupos do krautrock. Com a mesma formação dos dois anteriores – Mani Neumeier, Uli Trepte e Ax Genrich -, este álbum completa para a maior parte dos críticos o arco trilógico, que começa em “UFO”, o ousado e extravagante 1º LP, e passa por “Hinten”, um pouco mais focado mas menos temerário, para acabar em “Känguru”, para alguns, o mais bem conseguido da carreira dos Guru Guru, opinião para a qual o facto de ter sido produzido pelo lendário Conny Plank não será alheio. A nossa escolha, porém, prende-se mais com o facto de este ter sido um dos álbuns, a par de “Psychedelic Underground” dos Amon Düül, que fez Steven Stapleton entrar no mundo do krautrock e que provavelmente deu um belo ponto de partida para construir esta lista de que vimos falando à cerca de ano e meio. Aliás, estes álbuns tiveram um tal impacto na vida do jovem Steven Stapleton que pouco tempo depois o fizeram viajar, com o seu colega Eman Pathak, para a Alemanha em busca destes ídolos, acabando por se tornar roadie dos próprios Guru Guru e dos Kraan, uma outra banda de krautrock da época.
Composto de quatro faixas, todas de duração superior aos dez minutos, fazendo dele um LP particularmente longo, divididas quase simetricamente pelos dois lados do disco, apresenta uma estrutura mais equilibrada do que nos álbuns anteriores, não perdendo no entanto a loucura e energia psicadélicas que o uso de substâncias ilícitas não permitiu disfarçar. A característica a destacar será, todavia, a do sentido de humor, não só visual, mas também vocal, que permite aligeirar e libertar uma estrutura composicional que, na sua ausência se poderia tornar demasiado pesada, isto sem prejuízo dos momentos que cortejam o “heavy blues”. A sensação de liberdade provém ainda da disposição experimental free-jazz do baterista Mani Neumeier mas também do uso de efeitos de estúdio e de uma subtil electrónica, que expande o conceito de “space” ou “acid rock” que viu nascer o projecto em 1968, quando ainda se chamavam Guru Guru Groove Band.
A faixa que temos vindo a ouvir, “Oxymoron” abre o disco languidamente, mas rapidamente, talvez a custo dos pedais de efeitos e de um guitarrista virtuoso, se desenvolve para um delírio de blues psicadélico, que a secção rítmica deixa respirar. As vocalizações, muito raras nos discos anteriores, acentuam a derisão e o dadaísmo latente. Segundo uma entrevista dada pelos membros da banda, “oxymoron” refere-se a algo que parece muito bom, que sabe muito bem, que cheira bem, mas que está estragado e que que faz muito mal. “Algo” é apenas um eufemismo para um artigo enteógeno. “Immer Lustig”, sempre muito engraçado, começa com um espírito circense e simula uma marcha germânica proto-punk, mas bem cedo regressa à languidez psicadélica onde Ax Genrich parece cantar através da sua guitarra, numa homenagem a Jimi Hendrix. Sensivelmente a meio da faixa as drogas produzem o seu efeito e a deriva psicotrópica assume o comando, para o momento mais experimental de todo o álbum. Do lado B, “Baby Cake Well” tem reminiscências do primeiro álbum, UFO, no que respeita à sua agressividade e a algum caos que sobrevive, mutatis mutantis. Por último, “Ooga Booga” recupera os excessos derisórios que a letra inarticulada e a ludicidade percussiva de Neumeier regista como a marca predominante de todo o “Känguru”. Fiquemos agora com “Immer Lustig”.

Tracklist:

Lado A
1 Oxymoron (10:33)
2 Immer Lustig (15:37)

Lado B
1 Baby Cake Walk (10:57)
2 Ooga Booga (11:11)

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DIE LISTE #53

Friendsound – “Joyride” (1969)

Friendsound ou Joyride? ... Joyride ou Friendsound? ... Quem olhar para a capa do disco desta semana terá alguma dificuldade em perceber qual o nome da banda e qual o nome do álbum. Regressamos pois à obscuridade. Mas, não obstante se tratar de uma banda obscura, existe, surpreendentemente, alguma informação disponível sobre os Friendsound. Não é porém graças aos membros da banda, que parecem querer mantê-la oculta, mas antes à custa de salteadores persistentes destes tesouros escondidos do psicadelismo norte americano. Friendsound foi a face oculta de uma parte significativa dos membros de Paul Revere and the Raiders, um famoso grupo de rock, nos anos 60, que permaneceu durante muito tempo no American Top 40. Em 1968, Phil Volk, Drake Levin e Mike Smith, todos membros dos Raiders, decidem formar outra banda, juntamente com o organista Ron Collins, chamada The Brotherhood, grupo mais ousado do que o anterior. E foi no contexto desta experiência, em 1969, que surge Friendsound, num dia em que uma série de amigos decidiram juntar-se, convidando outros mais, ligados à preparação de um primeiro álbum, para fazer uma “jam session” onde tudo era permitido, num estúdio com muito LSD disponível para todos. Está assim explicado o nome da banda. Quanto ao nome do álbum também será fácil perceber, numa observação mais atenta da capa do disco, editado na RCA Victor Records, onde sobressai uma carruagem psicadélica puxada por um leão, prenunciando esse passeio jubiloso, que para alguns antecipa em alguns anos as aventuras do space rock dos anos 70 e mesmo do kraut. O disco destaca-se ainda pelo seu carácter experimental, usando e abusando de efeitos de estúdio, que enfatizam o contexto psicadélico do álbum, mas também pelo facto de recorrerem a muitas gravações de campo, nomeadamente, sons de crianças em jardins infantis, pássaros, preterindo assim, em muitos momentos, a tentação melódica e rítmica que o passado destes músicos tornava muito real.
Quatro faixas compõem o lado A e apenas duas mais longas, o lado B deste LP relativamente curto. “Joyride” a primeira faixa não permite duvidar das intenções alucinogénias, ao sobrepor camadas de gravações que dissolvem a unidade do tempo e do espaço acústico, enevoando a consciência para a transportar até um paraíso artificial, onde a flauta liquefeita de Don Nelson se dilui com as guitarras sensuais de Drake Levin e Chris Brooks, acompanhadas pelo órgão planante de Ron Collins. Uma cacofonia de sabor industrial enterra nostalgicamente a infância para sempre perdida, em “Childhood’s End”, tentando recuperá-la num efusivo hino às guitarras distorcidas do rock. A nostalgia revela-se logo de seguida, com “Love Sketch”, uma balada sentimental mas ainda cheia de reverberação. Como uma experiência de música concreta, “Childsong” devolve a experiência inocente do canto dos pássaros, dos xilofones de criança e das caixas de música, envolvidas pela rememoração sonora de um recreio de escola. O lado B reserva-nos porém ainda as longas derivas psicadélicas, primeiro com “Lost Angel Proper St.” e depois com “Empire of light”. Não há luzes estroboscópicas mas os efeitos de estúdio usados sem discrição fazem-nos reviver, sinestesicamente, a experiência de um carrossel peristáltico que dificulta a digestão de uma grande dose de mescalina numa cidade colorida de néons. A deixa perfeita para um império de luz que nos faz visitar coercivamente uma casa assombrada, nesse parque de atracções onde a adrenalina se mistura com outros humores lisérgicos. Mas esta experiência fúngica só pode ser comprovada, escutando agora “Lost Angel Proper St.”, depois de termos estado a ouvir sincopadamente “Joyride”.


Tracklist:

Lado A

1 Joyride - 4:15
2 Childhood's End - 3:26
3 Love Sketch - 3:26
4 Childsong - 6:12

Lado B

1 Lost Angel Proper St. - 9:22
2 Empire of Light - 9:40


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DIE LISTE #52

Chillum – “Chillum” (1971)

Chillum é um cachimbo normalmente feito de gesso, corno de boi, pedra e, nos dias de hoje, também se encontram alguns feitos de vidro ou madeira. Mas o chillum começou a ser usado no século XVIII, na Índia dos sadhu e, por isso, num contexto enteógeno. Esta palavra estranha que não se encontra no dicionário, e que é um anglicismo bizarro construído a partir do grego, refere-se ao uso religioso ou xamânico de substâncias psicotrópicas que induzem experiências extáticas. Na verdade, na cultura hippie dos anos 60 e 70 ela tornou-se um sinónimo de psicadélico. É isso mesmo que induz o disco desta semana: Chillum, que é o único LP desse projecto homónimo que surgiu precariamente das cinzas dos Second Hand, um grupo inglês (também ele incluído na lista) que cruzou a cultura psicadélica com esboços do rock progressivo e, ainda, com um travo a Canterbury, que o órgão de Ken Elliot não desmente. E a música, editada pela Mushroom Records em 1971, também confirma a inspiração enteogénica do chillum, essencialmente constituída de longos jams instrumentais onde os músicos previsivelmente alienados pelo seu umbilical enamoramento com os respectivos instrumentos conseguem com grande surpresa construir faixas de inesperada consistência.
Uma marca de humor com evidentes referências no grupo da BBC, Monty Python’s Flying Circus abre e fecha o álbum, primeiro com uma introdução feita por cirurgiões gumby, depois com um satisfeito comentário pela bela “Promenade des Anglais”. Limitado, porém, por essas duas marcas, abre-se um longo e embalado trajecto que estica o miolo cerebral qual liana infinita numa selva de cogumelos de fumo azul. Como um jogo de lógica num tabuleiro oriental de xadrez multicolor em que um regimento de cartas se decapita a duas dimensões para encontrar a conclusão silogística de uma rainha sem terceiro excluído, “Brain Strain” ilude a passagem do tempo à medida que preenche todo o lado A do álbum. Voltando o disco, a viagem continua mas desta vez é Morfeu o gúrú gúrú de um passeio encantado mas breve pela terra dos mil sonhos, sem José para nos dar uma chave de interpretação. Porque não há vacas magras, nem searas ao vento, ou mesmo trigo seco, somente “Too Many Bananas” num eufórico ritmo percussivo que faz desfilar ratos mickey bailarinos vestidos com folhas de palmeira num desenho animado mudo onde o amarelo do fruto absorve o preto e branco do celulóide. “Yes! We have no pajamas”, agora num quarto de hotel com telas em vez de paredes, onde escorrem dançando eroticamente figuras esfumaçadas num teatro de sombras indonésio com cobras venenosas como únicos espectadores. Afinal era só a cauda do gato que queria esticar a felina lã dos bigodes de Cheshire, num cínico sorriso sobre o passeio dos ingleses, que permanentemente de desviam dos sikhs chupando o seu cachimbo de canábis. O exercício é estéril se não ouvirmos a música, por isso, fiquemos com um excerto do longo “Brain Strain”. Mais atrás ouvíamos o muito funky “Yes! We have no pajamas”, praticamente saído da trip sonora de um Fritz the Cat.


Tracklist:

Lado A
Brain Strain

Lado B
1 Land Of Thousand Dreams
2 Too Many Bananas
3 Yes! We have No Pajamas
4 Promenade Des Anglaises

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DIE LISTE #51

The Pop Group - "Y" (1979)

(brevemente)







Tracklist:

Lado A
1 Thief Of Fire
2 Snowgirl
3 Blood Money
4 Savage Sea
5 We Are Time

Lado B
1 Words Disobey Me
2 Don't Call Me Pain
3 The Boys From Brazil
4 Don't Sell Your Dreams


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DIE LISTE #50

Orchid Spangiafora – “Flee past’s Ape Elf” (1979)

Orchid Spangiafora é o estranho nome que terá intrigado Steven Stapleton e que, depois de escutada a sua criação sonora, terá certamente gerado um reconhecimento instantâneo de afinidades electivas, ao ponto de ser indiscutível a necessidade de o incluir na lista (na adicional, porém, já que a edição do seu primeiro álbum, pela Twin/Tone Records, aconteceu apenas em 1979). Pois se o nome, só por si, se encaixava perfeitamente na poesia concreta do universo surrealista de Nurse With Wound, o trabalho sonoro daquele projecto americano ressoou nos primeiros discos de Stapleton, sobretudo e escandalosamente, em "Ladies Home Tickler". Isso nada tem, no entanto, de espantoso diante da fertilidade angiospérmica de Orchid Spangiafora, que fecundou anonimamente outros projectos insuspeitos como, por exemplo, Negativland; e não seria impossível que alguns "samples"tivessem mesmo chegado a ser usados pelas criações mais recentes de Vicki Bennett nos discos de People Like Us, com os quais partilha o mesmo tipo de humor fonético e sintáctico.
"Flee Past's Ape Elf" é o título do álbum desta semana, mas seria inútil tentar encontrar o seu significado, pois, tal como, as palavras e vozes que constituíram a matéria sonora das composições, serve apenas uma oratória magnética que vive dos efeitos acidentais e rítmicos dos sons e letras que o engendram: o título é tão sómente um palíndromo. Isto não significa que se trate de qualquer tipo de ineptidão ou que tenha um carácter meramente involuntário, bem pelo contrário, os erros mecânicos e as falhas acústicas foram incluídos sistemática e dinamicamente num processo de composição que teve os seus antepassados nos estúdios de música concreta do GRM ou no "Poème Electronique" de Edgar Varèse, cuja influência o próprio Rob Carey reivindica. No entanto, as suas referências mais imediatas, dado que as gravações foram feitas entre 1972 e 1977, terão sido algumas experiências de Frank Zappa, a famosa faixa "Revolution #9" dos Beatles e a teoria dos "cut-ups" de William S. Burroughs. Rob Carey, o autor de quase todas as composições, frequentava desde 1972 um cruso de música electrónica no Hampshire College e as primeiras experiências terão acontecido no estúdio da escola. Ao contrário da maior parte dos seus colegas, focados nas virtualidades tecnológicas dos sintetizadores, concentrava os seus esforços de composição nas mesas de mistura e edição. De modo que, apenas armado com fita magnética, tesoura e fita cola, e, claro, um leitor-gravador de cassetes e microfone, conseguiu produzir grande parte do álbum a partir da sua residência, num espírito DIY (Do-it-Yourself), ainda que tivesse sido assistido, aqui e ali, por John Kilgore, assistente do professor de música, ou Chris Osgood, o seu colega de quarto que haveria de ser membro dos Suicide Commandos.
O disco em si é constituído por onze faixas, seis no lado A e cinco no lado B. Foram todas compostas através da manipulação de fita magnética, ora previamente gravada com captações de voz feitas por Carey e seus colaboradores, ora com gravações de programas de rádio e televisão, e a sua posterior colagem. "Coarse Fish", por exemplo, resultou da dissecação das vozes num documentário televisivo sobre história natural. "Mondo Stupid" foi o produto de meses de trabalho à volta de vozes gravadas pelos próprios, a sua inversão e tentativa de reprodução vocal do efeito obtido, para, finalmente, com uma nova reversão da fita, produzir o resultado que vamos escutar já de seguida. A última faixa, "The Persistance of Fred MacMurray", foi um acidente de estúdio, ocorrido quando Rob Carey reproduzia um longo "loop", em "feedback", de um "drone" electrónico, em dois "decks", simultaneamente, em que a fita se envolveu num dos suportes de microfone, quase fazendo com que caísse, mas pelo menos esticando a fita de tal modo que produziu o estranho efeito com que Carey resolveu terminar o disco. Depois de "Sheer Madness" nos ter acompanhado ao longo desta crónica, ouçamos, "Coarse Fish", "Mondo Stupid" e "The Persistance of F.M.".

Tracklist:

Lado A
1 Dime Operation (8:34)
2 Short Piece (0:22)
3 Sput (2:16)
4 Flee Past's Ape Elf (2:12)
5 Mondo Stupid (4:14)
6 Hold Everything (2:35)

Lado B
1 Sheer Madness (7:50)
2 Some Crust (4:55)
3 Coarse Fish (4:45)
4 Trapped Heir Suite Part 2 (1:28)
5 Persistance Of F.M. (2:05)

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