Thursday, October 16, 2008

DIE LISTE - Finale

Nurse With Wound – “Chance Meeting on a Dissecting Table of a Sewing Machine and an Umbrella” (1978)

“Categories strain, crack and sometimes break, under their burden – Step out of the space provided” é a frase em epígrafe da famosa lista que, durante aproximadamente dois anos, tivemos o prazer de explorar. É com ela também que, na voz de David Tibet, se inicia esta quarta faixa – um extra da edição especial de 2001 - de “Chance Meeting on a Dissecting Table of a Sewing Machine and an Umbrella”, onde o amigo de Steven Stapleton lê os 293 nomes dessa lista obsessiva e obcecante que foi o cardápio aleatório destas crónicas semanais sensivelmente a meio do Kosmos. O propósito era convocar esses encontros fortuitos, ocorridos durante os anos 70, entre os ouvidos de John Fothergill, Heman Pathak e Steven Stapleton e estranhos vinis obscuros num quarto londrino, para, no contexto de um programa sobre Krautrock, torcer, estalar e, por vezes, quebrar, sob o seu peso, as categorias musicais e estéticas, traindo e traduzindo o autêntico motto escolhido por Stapleton para epigrafar esta lista – o qual era já, aliás, uma transcrição livre de um verso do poeta T. S. Eliot em “Four Quartets”.
Cada um daqueles nomes incluídos na lista terá contribuído, graças à sua natureza original e idiossincrática, para constituir um acervo de experiências musicais e acústicas e um alfabeto criativo que permitiu a três inexperientes artistas aventureiros improvisar em meia dúzia de horas um álbum que haveria de ficar para a história das músicas alternativas. Apesar das circunstâncias espatafúrdias em que surgiu – Stapleton terá inventado numa conversa com o técnico de estúdio Nicky Rogers que tinha um projecto de música experimental de nome Nurse With Wound para, no fim de semana seguinte, poderem fazer a gravação do disco numa edição limitada a 500 cópias, depois de “requisitar” os seus amigos Fothergill e Pathak para formar a “banda” e de com estes recolher umas guitarras eléctricas, moduladores em anel, pedais de efeitos, um sintetizador em mau estado, brinquedos, flautas, ferramentas e utensílios domésticos, ao qual apenas se juntaria a “guitarra comercial” do próprio Rogers, o piano de Peter Hennig e a voz de Nadine Mahdjouba – este disco tornar-se-ia um objecto de culto para os amantes do bizarro e do inaudito, não só pela misteriosa lista de música experimental eléctrica dactilografada numa folha A4 inserida no LP de 1979, mas também pelo resultado sonoro dessa soma surrealista de encontros inesperados que a escolha genial do longo e inusitado título tão bem soube exprimir. E tal como na frase de Lautréamont, este disco é belo como a retractilidade das garras das aves de rapina, mas sobretudo como o encontro fortuito entre um guarda chuva e uma máquina de costura numa mesa de dissecação.
“Two Mock Projections” abre o lado A do álbum com o som da própria electricidade dos cabos de guitarra que ecoa pelo estúdio para envolver, juntamente com um drone electrónico e o loop reverberante de um pedal de efeitos, a deriva psicadélica da guitarra histriónica de John Fothergill e o solo melancólico do mais experimentado Rogers que se cruzam no tecido fibriloso de uma central eléctrica húmida. “The Six Buttons of Sex Appeal” liberta a energia libidinal do trio eléctrico, agenciada pela excessiva e periclitante velocidade de um ritmo bossa-nova do sintetizador, conjugada com o delírio maquinal de uma guitarra cega e as ejaculações vaporosas de um orgão fervilhante. Do lado B, apenas uma longa faixa de 28 minutos, cujo título ainda surrealista “Blank Capsules of Embroidered Cellophane” nos coloca numa paisagem onírica e estranhamente familiar, entre ruídos metálicos domesticados e as vibrações flutuantes de um piano preparado, deixa desenvolver uma poética musical claustrofóbica e desencantada mas nem por isso menos fértil.
Uma palavra final para o trabalho gráfico deste disco, da autoria do próprio Steven Stapleton, cuja força visual, aliando a pornografia sadomasoquista à violência dadaísta da foto-montagem, contribuiria para o sucesso insuspeito da edição limitada que esgotou poucas semanas depois de ter sido posta à venda no circuito “underground”. Valendo-lhe, por outro lado, alguns equívocos estéticos que marcariam a história do projecto nos primeiros anos, ligando-o à subcultura da “música industrial”.
Acabamos pois, não com um disco de um nome da lista, mas com o disco que deu nome à lista e ouçamos um excerto das três faixas que o compõem. Em fundo escutávamos a faixa extra “Strain, crack, break”. Boa audição.


Tracklist:

Lado A
1 Two Mock Projections (6:20)
2 The Six Buttons Of Sex Appeal (13:13)

Lado B
1 Blank Capsules Of Embroidered Cellophane (28:19)

DIE LISTE #61

Trevor Wishart – “Red Bird” (1977)

O sonho de um prisioneiro político é o pretexto dramático de uma peça electro-acústica de Trevor Wishart, composta e gravada, entre os meses de Maio de 1973 e de 1977, nos estúdios de electrónica da Universidade de York, denominada Red Bird. O disco, editado nesse ano de 1977, pela Yes 7, passou a integrar a colecção esquizofílica de Steven Stapleton, provavelmente, na medida em que se trata de uma experiência sonora atípica no panorama da música contemporânea inglesa. Tal trabalho sugere um voo onírico e surrealista, graças à sua paisagem acústica metamórfica, obtida através da transformação de sílabas e fonemas humanos em sons do mundo natural, cuja associação orgânica carrega um potencial simbólico capaz de estruturar a sua trama mítica. É o próprio compositor que refere a influência do antropólogo Claude Levi-Strauss na concepção estruturalista desta obra que ao fundir quatro classes de sons – pássaros, palavras, máquinas, sons corporais e animais – pretendia explorar ideias como a liberdade política, a industrialização e a nossa relação com o meio ambiente, numa obra que é simultaneamente uma peça musical e uma alegoria da opressão.
Não obstante o papel que Trevor Wishart viria a desempenhar (e ainda desempenha) no desenvolvimento da composição electrónica por computador, esta obra foi criada num estúdio analógico, apenas com as tradicionais técnicas de corte e costura da fita magnética, da manipulação da fita em múltiplas velocidades de leitura e a equalização de uma mesa de mistura no laboratório universitário. A sofisticação das explorações de Wishart, no entanto, levou-o a obter resultados muito próximos daqueles que se obteriam mais tarde com o uso do computador e da síntese electrónica, e a técnica da “sound-transformation” desenvolvida pelo compositor inglês usava já os métodos que haveriam de ser transpostos para a nova era informática. Educado nas melhores universidades de Inglaterra (Oxford, Nottingham e York), onde aprendeu e investigou a teoria e a prática da música erudita, abandonou a composição tradicional, após a morte de seu pai, e começou a trabalhar com sons pré-gravados em 1969, inspirado pelas experiências da música concreta, iniciada por Pierre Schaeffer e Pierre Henry, com cujas obras é fácil descobrir similitudes metódicas e analogias sonoras. À medida que as novas tecnologias foram permitindo aperfeiçoar e facilitar o modo de criação, Trevor Wishart foi apurando as suas composições e interessando-se pelas subtilezas da relação entre os sons humanos e os restantes sons da natureza, cujo interesse se revelava já neste Red Bird.
O disco é apenas composto de duas faixas, divididas pelas contingências do vinil, já que se trata de uma peça única de 45 minutos, eventualmente segmentada em quatro momentos. A sua não-linearidade narrativa e a sua variabilidade estrutural não favorece uma descrição elucidativa do conteúdo da peça para além do que foi dito, pelo que o melhor é mesmo escutar um excerto. Trata-se do início da peça que inaugura esta exploração alegórica da opressão política com um grito libertador. Escutemos, pois, Red Bird – a political prisoner’s dream.

Tracklist:

Lado A
Red Bird – a political prisoner’s dream (parte 1)

Lado B
Red Bird – a political prisoner’s dream (parte 2)

DIE LISTE #60

Walter Franco – “Ou Não” (1973)

“Que é que tem nessa cabeça irmão/ Que é que tem nessa cabeça, ou não/ ... Que é que tem nessa cabeça saiba que ela pode explodir, irmão”. “Ou Não” é o primeiro álbum de Walter Franco, gravado nos finais de 1972 e editado no ano seguinte pela Continental. Muito pouco convencional e difícil de classificar, como aliás o próprio autor, o álbum tem um cunho marcadamente experimentalista, que ecoa algumas experiências psicadélicas, mais de origens anglo-saxónicas do que propriamente tropicalistas, sem, no entanto, abandonar as suas raízes populares, para não dizer folclóricas, com as quais, porém, teria uma relação ambígua. Condenado ao insucesso comercial, o álbum surgiu depois da participação, quase sempre, polémica de Walter Franco em alguns festivais de música popular brasileira (mpb), nomeadamente, no Festival da TV Globo, que valeu a destituição do júri que ousara indicá-lo como vencedor do concurso. Não sendo um completo desconhecido no cançonetismo brasileiro, desde logo, porque era o filho de Cid Franco, um famoso radialista e escritor de São Paulo, e porque tinha sido o autor do tema da telenovela Hospital em 1972, a dificuldade em lidar com as suas criações teve a ver sobretudo com o seu carácter vanguardista e humor subversivo. Por um lado, as experimentações sonoras desafiavam o gosto convencional, mesmo quando se inspirava em ritmos tradicionais nordestinos ou sambistas, já que, no seu estilo interpretativo, o cantar morno e suave da bossanova rapidamente se galvanizava na histeria estridente do grito, e, por outro lado, a sua poesia concreta, que esculpia as palavras através de uma decomposição fonética e que libertava a força subversiva dos sentidos ocultos, chocava com a repressão vivida dos “anos de chumbo” que corriam nessa época, no Brasil, sob a ditadura do governo Médici. Se, contudo, este cantor “maldito” não caíu nas boas graças do público, ele foi sendo apreciado nos ambientes mais ligado às artes, de onde ele afinal saíu, pois frequentou a Escola de Arte Dramática de São Paulo, onde compôs música para peças de teatro, trabalhou com Rogério Duprat – que produziu este mesmo álbum - e Júlio Medaglia e o poeta Augusto de Campos traduziria a letra da canção “Cabeça”, que abriu esta crónica, para inglês.
“Ou Não” é também conhecido como o “Disco Branco” de Walter Franco, numa analogia com o “White Album” dos Beatles, pois a sua capa é toda branca, à excepção de uma mosca desenhada em trompe l’oeil no centro do quadrado branco, fazendo com que seja conhecido por vezes como o “Disco da Mosca”. A escolha da mosca que perturba, na superfície da capa, a pureza do branco, só por si, exprime já a ironia revolucionária de “Ou Não”, cuja negatividade disjuntiva – essencialmente dirigida à situação repressiva do regime - se exprime não só no seu título mas também na estratégia de desilusão que estrutura as suas canções. A simplicidade acústica de uma voz apenas armada com uma viola é constantemente desmentida pelos efeitos de estúdio, os ecos duplicados pela própria repetitividade da letra, os silêncios suspensivos que abrem síncopes sonoras, ao mesmo tempo que retóricas, as vocalizações estranhas de Walter Franco que parecem às vezes simular algumas disfunções do material eléctrico, muito mais próximo da estética da música e da poesia concreta do que do delírio onanista do scat jazzístico. A primeira faixa do lado A, “Mixturação”, anuncia logo no princípio a esquizofrenia electro-acústica de todo o álbum, na distorção a que submete a voz quente do cantor e na violência que quase quebra as cordas da viola, mixturando nelas o bem e o mal. É essa faixa que vamos escutar já de seguida. Depois “Flexa”, onde Franco coaxa como uma rã alucinogénia. Do lado B, ouviremos “Xaxados e Perdidos” que visita o Nordeste musical brasileiro e o filtra num túnel , e, por fim, o tema que vimos escutando em fundo, “Cabeça”, mas que merece ser ouvido na íntegra.

Tracklist:

Lado A
1. Mixturação (6:56)
2. Água e Sal (0:40)
3. No Fundo do Poço (4:33)
4. Pátio dos Loucos (2:31)
5. Flexa (3:20)

Lado B
1. Me Deixe Mudo (6:42)
2. Xaxados e Perdidos (3:22)
3. Doido de Fazê Dó (0:30)
4. Vão de Boca (3:40)
5. Cabeça (4:51)

DIE LISTE #59

Throbbing Gristle - "The Second Annual Report" (1977)

(em construção)

Tracklist:

Lado A
1 Industrial Introduction (1:04)
2 Slug Bait - ICA (4:20)
3 Slug Bait - Live At Southampton (2:45)
4 Slug Bait - Live At Brighton (1:10)
5 Maggot Death - Live At Rat Club (2:59)
6 Maggot Death - Studio (4:34)
7 Maggot Death - Southampton (1:37)
8 Maggot Death - Brighton (0:57)

Lado B
1 After Cease To Exist - The Original Soundtrack Of The Coum Transmissions Film (20:19)