Tuesday, April 17, 2007

Planetarische Umlaufbahn - Subsídios para uma história incompleta do CANibalismo


“Germania omnis a Gallis Rhaetisque et Pannoniis Rheno et Danubio fluminibus, a Sarmatis Dacisque mutuo metu aut montibus separatur: cetera Oceanus ambit, latos sinus et insularum immensa spatia complectens, nuper cognitis quibusdam gentibus ac regibus, quos bellum aperuit. Rhenus, Rhaeticarum Alpium inaccesso ac praecipiti vertice ortus, modico flexu in occidentem versus, septentrionali Oceano miscetur. Danubius, molli et clementer edito montis Abnobae jugo effusus, plures populos adit, donec in Ponticum mare sex meatibus erumpat: septimum os paludibus hauritur[1]

Tacitus, Germania

No século I d.C. Publius Cornelius Tacitus, senador e historiador do império romano, apresentava ao mundo mediterrâneo um estudo etnográfico sobre as terras nortenhas, alvo de invasões sucessivas, de sucesso relativo face à tenacidade dos habitantes e às agruras do terreno inóspito. Dois milénios mais tarde, os movimentos inverteram-se e, em 1939, a Alemanha declarava guerra e invadia várias nações circundantes. As consequências deste marco do séc. XX sobre a cultura germânica, e da capitulação absoluta do povo alemão findo o conflito mundial, são assinaláveis. De um modo geral, identifica-se um período de estagnação na produção e, principalmente, na exportação cultural alemã a partir dos anos 50. A emergência do fenómeno Krautrock, na qual a Alemanha parece uma vez mais verter os seus líquidos sobre as restantes nações, e que é perfeitamente traduzida no comentário de Julian Cope acerca de uma invasão teutónica da Britania durante os anos 70, parece assinalar a superação de um trauma, na qual os Can tiveram um papel fundamental.

Dissertar acerca deste colectivo musical afigura-se uma tarefa assustadoramente complexa para qualquer escrivão. De forma a veicular uma imagem fidedigna, uma representação fiel do contributo dos Can nesta modesta prosa, procura-se complementar as palavras originais, se é que de originalidade podemos falar, com citações de outros indivíduos, talvez mais credenciados para o efeito. Comecemos pela seguinte:

“Eine neue Richtung ist Geboren… Modern Art & Jazz & Beat & Stockhausen Komplex = THE CAN. Neue Musik, voller Vorurteile, keine „crazy swinging’ effects”, Talente, die sich einordnen wollen, aber nicht können, Konservatorium ohne Notenpult (der Dirigent sitzt an der Orgel). THE CAN bleiben immer 5 Solisten, (eine Super-Group?). Wozu arbeiten sie dan zusammen? „,.. weil es die beste Gruppe ist, die wir je vom Kontinent gehört haben!“ meinen englische Experten.“

Karlheinz Freynik

Uma nova música nasce, conjugando influências da composição contemporânea, da música electrónica e do psicadelismo. Outras se irão adicionar ao longo da história de Can, a qual tem início em 1968. Segundo uma biografia do grupo germânico, escrita por um tal Stephen Thomas Erlwire, os Can não estavam um passo, mas antes três passos à frente dos restantes indivíduos ou colectivos que pululavam no febril domínio da música germânica contemporânea dos anos 70.
Ao longo da sua carreira foram apresentando várias alterações no alinhamento, principalmente no que a vocalistas diz respeito. Contudo, manteve-se sempre um núcleo duro, composto pelo baterista Jaki Liebzeit, o guitarrista Michael Karoli, o baixista Holger Czukay, e o teclista Irmin Schmidt.
Podemos assim identificar três períodos distintos no ciclo vital dos Can: um primeiro, com Malcolm Mooney, um segundo com o viajante nipónico, e homem dos sete, ofícios, Damo Suzuki, e um terceiro sem vocalista definido para o efeito.

"Monster Movie" (1969), o primeiro disco do grupo, é o único que conta por inteiro com a participação do vocalista Malcom Mooney, a qual também se vislumbra nalgumas faixas de "Soundtracks", editado no ano seguinte. Mooney, um escultor afro-americano, será para sempre recordado não apenas pela intensidade e atitude rock que dava às suas vocalizações, mas também por ter sido o mentor do nome de grupo, Can, – nas suas palavras, “um nome com um sentido positivo e com vários significados”; mais tarde, Irmin Schmidt tratou de descodificar a designação num claro “Communism, Anarchism and Nihilism”. Com proximidade estilística a uns Captain Beefheart e Velvet Underground, “Monster Movie” oferece sobretudo “Father Cannot Yell” e “You Doo Right”, talvez o tema que, pela sua estrutura heterogénea, de forma mais marcada transporta o cunho ímpar do grupo. Mooney viria a abandonar o grupo após problemas psicológicos, evidentes em actuações ao vivo e na sua alegada inadaptação à Alemanha. Apesar de crítico para o grupo, o sentido transformador da oportunidade estava implícito nas declarações de Michael Karoli: “It was quite nice, really. Malcom lost is head, wich happens sometimes. The atmosphere was really good”. Em Dezembro de 1969, Mooney partia para a sua terra-natal, os E.U.A., abrindo a porta à inclusão de Damo Suzuki.

“Tago-Mago” (1971) reporta-se ao segundo destes períodos, aceite pela maioria dos críticos como a época da fertilidade dos Can. Diz o povo que a importância de um artista não se mede pela quantidade de álbuns vendidos, mas pela quantidade de artistas sobre os quais deixa a sua influência, o seu marco e cunho pessoal.
“Tago-Mago” assume-se como isso mesmo, um marco da música contemporânea, de modesto sucesso comercial, mas cujas vibrações contidas nas estrias do duplo vinil em que foi editado, transformavam o gira-discos comum em que era tocado no epicentro de uma tempestade criativa.

“In 1972 I would spend a few evenings a week at a friend’s house. He was interested in hi-fi and had a much better system than mine. We would talk and play records but only a few of the records he played would do anything for me. One day he bought an album by a group called Can. The title – Tago Mago. Now, this was strange – not an ‘odd’ type of strange but the kind which made me curious to hear more. (…) The times have changed now – you read my notes and my friend is our sound engineer. But I would never have played guitar had it not been for the late Marc Bolan and Michael Karoli of Can. I hope this makes you, too, curious to hear more”

Pete Shelley / Buzzcocks


Com o canto do cisne japonês em “Future Days” (1973), abre-se a paleta sonora do terceiro momento, com “Soon Over Babaluma” (1974). Avançando no tempo, em movimentos fluídos e deliciosos, chega-se ao final desta pequena história. De “Flow Motion” (1976) e Saw Delight” (1977) há a dizer que constituem os últimos registos dos Can na década de 70 com o quarteto acima descrito, respectivamente o segundo e terceiro álbuns de um conjunto de três editados pela Virgin. “Flow Motion” marca mais um ponto de viragem, numa trajectória musical já em si curvilínea, com a introdução massiva de influências caribenhas, especialmente em temas como “Cascade Waltz” e “Laugh Till You Cry Live Till You Die”. Deste registo convém salientar um pequeno apontamento de marketing: nele podemos encontrar a única música de Can a atingir a lista dos trinta singles mais vendidos no Reino Unido, apropriadamente intitulada para esse efeito, “I Want More”. Por último, uma revisão da obra musical dos germânicos não ficaria completa sem uma referência às Ethnological Forgery Series, pequenos extractos pseudo-exóticos, que pontuam, aqui e ali, vários discos dos Can. Em “Flow Motion” encontramos “Smoke”, precisamente a quinquagésima nona falsificação etnológica do cânone canológico.

“Saw Delight” foi o último disco de Can, nos anos 70, com a presença de Holger Czukay. Um álbum de despedida que contou com duas boas vindas: a introdução do percussionista Reebop Kwaku Baah e do baixista Rosko Gee, duas personagens que permitiram aprofundar as incursões afro-cubanas do registo anterior. A polirritmia decorrente do confronto entre Baah e Liebziet, e as brincadeiras de Czukay com a electrónica e manipulação de sons, paternalmente autorizadas pelo trabalho de Gee que assim o libertou das habituais tarefas de baixista, são outras marcas distintivas de “Saw Delight”.




[1] “Germany is separated from the Galli, the Rhæti, and Pannonii, by the rivers Rhine and Danube; mountain ranges, or the fear which each feels for the other, divide it from the Sarmatæ and Daci. Elsewhere ocean girds it, embracing broad peninsulas and islands of unexplored extent, where certain tribes and kingdoms are newly known to us, revealed by war. The Rhine springs from a precipitous and inaccessible height of the Rhætian Alps, bends slightly westward, and mingles with the Northern Ocean. The Danube pours down from the gradual and gently rising slope of Mount Abnoba, and visits many nations, to force its way at last through six channels into the Pontus; a seventh mouth is lost in marshes.”

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Saturday, April 14, 2007


DIE LISTE #17

Technical Space Composer’s Crew – “Canaxis V” (1969)

Sob este nome bizarro, denunciando ao mesmo tempo o imaginário da ficção científica e o vanguardismo da música tecnologicamente assistida, escondem-se o famoso membro e co-fundador dos Can, Holger Czukay, e o produtor e pintor Rolf Dammers. A presença de um artista plástico talvez possa ajudar a compreender a lógica paisagística das duas primeiras peças musicais que compõem este LP, gravado em 1968 e editado no ano seguinte. De facto, a primeira e segunda faixas do disco seleccionado esta semana parecem estender perante nós paisagens em movimento ao longo de um rio electrónico, onde, aqui e ali, deslizam excertos, ou, para ser mais preciso, “amostras”- pois este é um dos primeiros usos históricos da técnica a que se viria a chamar, anos mais tarde, “sampling” – “amostras” de ambientes etno-musicais, editadas e repetidas cíclicamente em anel, ecoando um certo minimalismo americano mas também a experimentação electro-acústica. Estas técnicas de manipulação do objecto sonoro foram adquiridas e desenvolvidas por Czukay, entre 1963 e 1966, nos estúdios da WDR, em Colónia, quando estudava sob a orientação de Karlheinz Stockhausen, cuja influência é manifesta neste primeiro trabalho a solo do baixista dos Can. Aliás, conta-se que este álbum foi gravado numa só noite e de forma ilegal no próprio estúdio da WDR, pois Stockhausen que era nessa altura o responsável pelos estúdios de música electrónica da rádio, fazia as últimas gravações do seu “Hymnen”, assistido por David C. Johnson, nada mais nada menos que um membro dos Can nessa época (a de “Monster Movie”). Frustrados pelas limitações do seu próprio material técnico, terão usado as facilidades de acesso ao estúdio de Johnson para nele entrar e usufruir das suas virtualidades.

Vamos escutar um excerto da primeira faixa “Boat-woman-song” que abre com um fragmento de uma peça de Adam de la Halle (compositor medieval) - o mesmo que por vezes se ouvia em concertos dos Can -, a partir do qual Holger Czukay constrói um “loop” que estabelece e antecipa o tom lamentoso das vozes femininas, vindas do longínquo Vietname através das ondas curtas (e a referência a “Telemusik” de Stockhausen torna-se aqui inevitável), entretecidas pelo ritmo sequencial do baixo e por subtis mudanças de fase e incursões electrónicas.

Tracklist:

1. Boat-Woman-Song (17:39)
2. Canaxis (
20:20)
3. Mellow Out (
2:12)

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Thursday, April 12, 2007


PLANETEN SESSION XVII (04.04.07)

Tony Conrad & Faust – “From the Side of Man and Womankind” (exct.) (Outside the Dream Syndicate, 1973)

Die Liste #17 (Technical Space Composers Crew)

Harmonia 76 – “Sometimes in Autumn” (Tracks & Traces, 1976)
Tony Conrad & Faust – “From the Side of the Machine” (exct.) (Outside the Dream Syndicate, 1973)

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Friday, April 06, 2007


Die Liste #16

Brainticket – “Cottonwoodhill” (1971)

“Depois de ouvir este disco, os seus amigos podem deixar de o conhecer” e “Ouça este disco apenas uma vez por dia. O seu cérebro pode ser destruído” eram os avisos contidos na capa do LP seleccionado esta semana. Quem o comprasse e começasse a ouvi-lo, acharia bem estranhos estes avisos ou pensaria tratar-se de um mero truque de marketing, pois as duas primeiras faixas – “Black Sand” e “Places of Light” – são, de facto, relativamente convencionais para a época do progressivo e do psicadélico: uma guitarra e vozes distorcidas, um ritmo minimal com tendências krautrock, pedais de efeitos wah-wah e, mais à frente, um ritmo groovy, ao gosto do funk; alguns solos de flauta entre o jazz e o folk, e, aqui e ali, apontamentos ácidos, mas não o suficiente para afastar os espíritos mais susceptíveis da nefasta perigosidade das drogas.

Mas eis que se ouvem estilhaços de vidro, passos e uma mota em fuga, seguindo-se-lhe uma sirene de polícia ou de ambulância e o pânico instala-se. O som do motor transubstancia-se nas acelerações de uma guitarra acompanhada pelas sequências cíclicas em anel de um órgão, de uma outra guitarra e do transe minimal repetitivo dos tom-toms da bateria, em movimento centrífugo e peristáltico. Efeitos sonoros, da escova de dentes ao martelo pneumático, potenciómetros e geradores rompem convulsivamente as trompas de eustáqueo, desviando as sinapses do seu trajecto neuronal para as extremidades capilares de um cérebro já em ebulição. Hipnotizado, o ouvinte volta o disco e, no seu lado B, prossegue essa má e assustadora “viagem” que as sirenes anunciavam logo de início e que Dawn Muir exprime delirantemente, sem qualquer redenção, até ao extremo da margem rotativa do vinil que se abre sobre o vazio catastrófico do silêncio.

Esta experiência que não se pode repetir mais de uma vez por dia, também não foi repetida pela maior parte dos membros de Brainticket que, depois deste insano “Cottonwoodhill”, em 1971, saíram do grupo para se juntarem aos bem mais convencionais Island, que se tornariam nos Toad, banda suíça de Hard-Rock, ficando apenas o teclista belga Joel Vandroogenbroeck para continuar no, ainda psicadélico, mas muito mais suave, “Psychonaut”.

O interesse desta escolha entre os muitos grupos da lista e, especialmente, deste disco, tem a ver, não só com a aura “kraut” desta formação helvético-flamenga, mas com o facto de aquela peça central e tripartida, homónima do grupo – “Brainticket”-, ter sido a inspiração directa de vários trabalhos de Nurse With Wound, nomeadamente, “Brained by falling masonry” de 1984, reeditada com Gyllenskold, em 1989, e revista numa remistura “inconsciente” em “Sugar Fish Drink” de 1992. Faixas com as quais comunga a estranheza perturbadora e o surrealismo desconcertante.

Ouçamos, então, uma só vez, a primeira parte de “Brainticket”.

Tracklist:

Lado A

1. Black Sand (4:05)
2. Places of Light (
4:05)
3. Brainticket, pt.1 (
8:21)

Lado B

1. Brainticket, pt. 1: Conclusion (4:36)
2. Brainticket, pt. 2 (
13:13)



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Thursday, April 05, 2007

PLANETEN SESSION XVII (04.04.07)

Can – “Laugh Till You Cry, Live Till You Die” (Flow Motion, 1976)
Can – “Ethnological Forgery Series No. 59” (Flow Motion, 1976)
Can – “I Want More” (Flow Motion, 1976)

Die Liste # 16 (Brainticket – “Cottonwoodhill”)

Spacebox – “Tape Talk” (exct.) (Spacebox, 1979)
Can – “Animal Waves” (exct.) (Saw Delight, 1977)

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Monday, April 02, 2007

PLANETEN SESSION XVI (28.03.07)

Can – “You Doo Right” (Monster Movie, 1969)

Die Liste #15 – International Harvester

Faust – “Baby is Blue” (...In Autumn, 2007)
Can – “Father Cannot Yell” (Monster Movie, 1969)
Can – “Mary, Mary so Contrary” (Monster Movie, 1969)

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PLANETEN SESSION XV (21.03.07)

Can – “Halleluhwah” (exct.) (Tago Mago, 1971)
Can – “Aumgn” (Tago Mago, 1971)
Franco Battiato – “Energia” (Fetus, 1971)
Damenbart – “bewusstseinserweiterung” (Impressionen, 1971)
Can – “Oh yeah!” (Tago Mago, 1971)

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PLANETARISCHE UMLAUFBAHN # 14 ORGANISATION – Tone Float

Em 1970, Ralf Hütter e Florian Schneider iniciavam a sua produção musical inseridos num quinteto denominado Organisation. Juntamente com Butch Hauf, Basil Hammoundi e Fred Monics (e, claro!, com a produção orientada por Conny Plank), os futuros Kraftwerk lograram conceber um disco que em muito pouco se associa às suas criações futuras e que obteve escasso reconhecimento do mercado levando a que o grupo se dissolvesse quase de imediato. O álbum respira psicadelismo, as composições são significativamente improvisadas e o tom é espontâneo, como no homónimo épico de abertura “Tone Float” em que um frenesim hipnótico pleno de múltiplas e subtis percussões cria um crescendo que desemboca num manto de flauta e órgão. A teia percussionista é, aliás, uma das pedras de toque do álbum (particularmente notório em “Tone Float” e “Rhythm Salad”), como o provam o recurso à bateria, bongos, maracas, campainhas, congas, glockenspiel, marimbas e triângulo.
A contemplação livre reveste-se de maior penumbra em “Silver Forest”, servindo “Noitasinagro” para Schneider dar conta do seu virtuosismo na longa distorção de violino no tema que encerra o álbum e que condensa todo o trabalho. “Milk Rock” oferece a mais clara amostra daquilo que viria a ser a parte inicial dos Kraftwerk – domínio da linha de baixo com deambulações da flauta de Schneider e do órgão de Hütter.
Pode dizer-se que no universo das produções dos Kraftwerk, é na sua estreia enquanto Organisation que recai de forma mais clara a etiqueta kraut – com todas as imprecisões que decorrem desta catalogação… –, facto curioso se pensarmos que é também este o registo que mais os afasta do imaginário kraftwerkiano. De resto, Ralf Hütter revela esta simbólica descrição: «The studio was in the middle of an oil refinery. When we came out of the door we could hear the sound of those big flames burning of the fumes – all kinds of industrial noises».
“Tone Float” encerra a faceta surpreendentemente caótica no percurso daqueles que um dia tiveram a sua presença associada à disciplina quase obsessiva das suas composições. Este disco assume-se quente e emotivo, aludindo a horizontes mais longínquos e exóticos do que as frias paisagens industriais de Düsseldorf.

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Sunday, April 01, 2007

Die Liste #15

International Harvester – “Sov Gott, Rose-Marie” (1969)

“... klockan klockan klockan klockan ar mycket nu!”, “Sim, meus amigos, agora está a tornar-se tarde”! “Agora está a tornar-se tarde” é o refrão repetido como um “mantra em Dó”, no lado A do disco da lista, seleccionado esta semana. A inspiração da frase vem de um dos livros de Georg Bergström, um pioneiro das preocupações ecologistas que questionava, já nos anos 60, as consequências da industrialização e do estilo de vida ocidental no destino da natureza; enquanto que o modelo minimalístico vem de Terry Riley que visitara a Suécia na primavera de 1967 para interpretar a sua famosa peça “In C”, com a colaboração de alguns estudantes da Academia Real de Música, entre os quais Bo Anders Persson e Thomas Tidholm, mas também outros membros do que viria a ser o projecto International Harvester. O primeiro, Bo Anders Persson, o principal mentor do projecto, profundamente marcado pela experiência com o compositor norte-americano, mas também pela simplicidade e convivialidade das danças do folclore sueco, ambicionava criar uma nova música baseada no ritmo que pudesse comunicar à geração contemporânea o mesmo espírito comunitário e a experiência da criação colectiva em equilíbrio com a terra e a natureza.

“Sov Gott, Rose-Marie” (Dorme bem, Rosa Maria) foi, na verdade o primeiro álbum editado deste grupo, fundado em 1967 com o nome de Pärson Sound e mudando para International Harvester em 1968, o ano em que começaram precisamente a gravar este disco, que haveria de ser editado apenas em 1969 pela editora finlandesa Love Records. Abre com uma interpretação lamentosa e minimal do Dies Irae (componente tradicional das missas de Requiem) que a pouco e pouco desvanece no ambiente pastoril da floresta, onde os pássaros chilreiam e as folhas das árvores se agitam ao vento, aveludando o lirismo de uma antiga canção sueca. O folclore contrasta também com a energia do rock psicadélico que logo se lhe segue em “There is no other place”. Mas este disco tem no âmago da sua expressão poética uma indesmentível dimensão política, como manifesta “The Runcorn Report on Western Progress”, evocando o período em que Persson trabalhou numa industrial cidade inglesa, próxima de Liverpool, onde o azul do céu se transformara num permanente ocre acinzentado, mas também o derisório “Statsministern” que denuncia a incapacidade para a dança do Primeiro-Ministro sueco ou o repetitivo “Ho Chi Minh” que ecoa os protestos hippies contra a guerra do Vietnam. O lado A termina com o tema homónimo do álbum, que é uma melancólica e subtilmente fúnebre canção de embalar. Aliás, o tom lamentoso é reiterado em todo o lado B, instrumental, com “I mourn You” e “How to Survive”. Fiquemos com “The Runcorn Report on Western Progress”, “Statsministern” e “Ho Chi Minh”, depois com “Klockan ar mycket nu”, para terminarmos com a triste berceuse “Sov Gott, Rose-Marie”.

Tracklist:

Lado A

1 Dies Irae (2:26)

2 I Villande Skogen (In The Boundless Wood) (0:47)

3 There Is No Other Place (2:41)

4 The Runcorn Report on Western Progress (3:27)

5 Statsministern (The Prime Minister) (0:19)

6 Ho Chi Minh (1:47)

7 It's Only Love (1:40)

8 Klockan Är Mycket Nu (It's Getting Late Now) (3:29)

9 Ut Till Vänster (Out To The Left) (0:42)

10 Sommarlåten (The Summer Song) (2:50)

11 Sov Gott Rose-Marie (Sleep Tight Rose-Marie) (3:38)

Lado B

1 I Mourn You (12:47)

2 How to Survive (11:42)



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