Thursday, October 16, 2008

DIE LISTE #60

Walter Franco – “Ou Não” (1973)

“Que é que tem nessa cabeça irmão/ Que é que tem nessa cabeça, ou não/ ... Que é que tem nessa cabeça saiba que ela pode explodir, irmão”. “Ou Não” é o primeiro álbum de Walter Franco, gravado nos finais de 1972 e editado no ano seguinte pela Continental. Muito pouco convencional e difícil de classificar, como aliás o próprio autor, o álbum tem um cunho marcadamente experimentalista, que ecoa algumas experiências psicadélicas, mais de origens anglo-saxónicas do que propriamente tropicalistas, sem, no entanto, abandonar as suas raízes populares, para não dizer folclóricas, com as quais, porém, teria uma relação ambígua. Condenado ao insucesso comercial, o álbum surgiu depois da participação, quase sempre, polémica de Walter Franco em alguns festivais de música popular brasileira (mpb), nomeadamente, no Festival da TV Globo, que valeu a destituição do júri que ousara indicá-lo como vencedor do concurso. Não sendo um completo desconhecido no cançonetismo brasileiro, desde logo, porque era o filho de Cid Franco, um famoso radialista e escritor de São Paulo, e porque tinha sido o autor do tema da telenovela Hospital em 1972, a dificuldade em lidar com as suas criações teve a ver sobretudo com o seu carácter vanguardista e humor subversivo. Por um lado, as experimentações sonoras desafiavam o gosto convencional, mesmo quando se inspirava em ritmos tradicionais nordestinos ou sambistas, já que, no seu estilo interpretativo, o cantar morno e suave da bossanova rapidamente se galvanizava na histeria estridente do grito, e, por outro lado, a sua poesia concreta, que esculpia as palavras através de uma decomposição fonética e que libertava a força subversiva dos sentidos ocultos, chocava com a repressão vivida dos “anos de chumbo” que corriam nessa época, no Brasil, sob a ditadura do governo Médici. Se, contudo, este cantor “maldito” não caíu nas boas graças do público, ele foi sendo apreciado nos ambientes mais ligado às artes, de onde ele afinal saíu, pois frequentou a Escola de Arte Dramática de São Paulo, onde compôs música para peças de teatro, trabalhou com Rogério Duprat – que produziu este mesmo álbum - e Júlio Medaglia e o poeta Augusto de Campos traduziria a letra da canção “Cabeça”, que abriu esta crónica, para inglês.
“Ou Não” é também conhecido como o “Disco Branco” de Walter Franco, numa analogia com o “White Album” dos Beatles, pois a sua capa é toda branca, à excepção de uma mosca desenhada em trompe l’oeil no centro do quadrado branco, fazendo com que seja conhecido por vezes como o “Disco da Mosca”. A escolha da mosca que perturba, na superfície da capa, a pureza do branco, só por si, exprime já a ironia revolucionária de “Ou Não”, cuja negatividade disjuntiva – essencialmente dirigida à situação repressiva do regime - se exprime não só no seu título mas também na estratégia de desilusão que estrutura as suas canções. A simplicidade acústica de uma voz apenas armada com uma viola é constantemente desmentida pelos efeitos de estúdio, os ecos duplicados pela própria repetitividade da letra, os silêncios suspensivos que abrem síncopes sonoras, ao mesmo tempo que retóricas, as vocalizações estranhas de Walter Franco que parecem às vezes simular algumas disfunções do material eléctrico, muito mais próximo da estética da música e da poesia concreta do que do delírio onanista do scat jazzístico. A primeira faixa do lado A, “Mixturação”, anuncia logo no princípio a esquizofrenia electro-acústica de todo o álbum, na distorção a que submete a voz quente do cantor e na violência que quase quebra as cordas da viola, mixturando nelas o bem e o mal. É essa faixa que vamos escutar já de seguida. Depois “Flexa”, onde Franco coaxa como uma rã alucinogénia. Do lado B, ouviremos “Xaxados e Perdidos” que visita o Nordeste musical brasileiro e o filtra num túnel , e, por fim, o tema que vimos escutando em fundo, “Cabeça”, mas que merece ser ouvido na íntegra.

Tracklist:

Lado A
1. Mixturação (6:56)
2. Água e Sal (0:40)
3. No Fundo do Poço (4:33)
4. Pátio dos Loucos (2:31)
5. Flexa (3:20)

Lado B
1. Me Deixe Mudo (6:42)
2. Xaxados e Perdidos (3:22)
3. Doido de Fazê Dó (0:30)
4. Vão de Boca (3:40)
5. Cabeça (4:51)

1 Comments:

At 11:11 AM, Blogger Rui Carvalho said...

só há pouco tempo é que conheci o walter franco.. e pergunto, como é possivel este homem não ser obrigatorio todos ouvirem e conhecerem a sua musica- genial, do melhor que já ouvi,,,, e já ouço desde há 30 anos musica... BOA MUSICA, SÓ.

 

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