Thursday, May 24, 2007

DIE LISTE #20

Opus Avantra – “Donella Del Monaco” (1974)

Obra (Opus), vanguarda (Avan) e tradição (Tra) compõem o nome deste singular conjunto da música progressiva italiana de meados dos anos 70, resumindo ali o propósito e ambição do grupo: um movimento de vanguarda musical com fundas raízes no estudo e recuperação da tradição, pois que a inovação não deveria ser uma luta travada contra o passado, mas ao contrário uma revisitação deste, com uma chave de (re)leitura contemporânea. Por outro lado, visava este projecto do filósofo Giorgio Bisotto, do compositor Alfredo Tisocco, do produtor Renato Marengo e da cantora lírica Donella Del Monaco quebrar barreiras entre diferentes géneros, diferentes expressões populares e eruditas, para deixar passar forças criativas de um modo a fundir passado e futuro, gosto popular e construção ilustrada. Na verdade, podemos escutar jazz, rock, classicismo, barroco, canzona veneziana, coloratura operática, folclore e electrónica, manipulação de registos sonoros e efeitos de gravação neste disco editado em 1974, o primeiro álbum dos Opus Avantra, conhecido por “Introspezione” ou pelo nome que apresenta na sua capa, “Donella del Monaco”. Muito merecidamente este título identifica o talento mais gracioso deste trabalho, pois gira à volta da versatilidade e virtuosismo interpretativo da soprano, sobrinha do famoso tenor Mario Del Monaco, que dá consistência ao cadáver esquisito resultante da aglutinação de instrumentos, modelos e formas musicais.
O álbum abre inusitadamente com um excerto do que é afinal o seu tema principal “Introspezione”, que se revela na sua integralidade apenas no último tema, fechando-se numa espécie de circularidade integradora. Segue-se um poético elogio dos doces e fugazes prazeres do amor romântico, liberto artificialmente pelo eco e pela reverberação, em “Les plaisirs sont doux”, e logo depois, “La marmelatta”, uma alegre revisitação do folclore e das cantilenas infantis, não sem um ligeiro toque de nostalgia. O neo-classicismo de “L’Altalena” combina com o rock pop, antes do estranho e fantasmático “Monologo”, que parece recuperar uma certa inspiração dodecafónica, e da ligeira canção de “Il Pavone”, em ritmo slow rock. Esquizofrenicamente, “Ah, douleur” abre com uma orquestração e composição tipicamente barroca, para inesperadamente rebentar numa enérgica explosão de rock progressivo. Orientalizante, “Deliée” perde-se em improvisações vocais e pianísticas que se misturam com uma evocação da canção francesa ao estilo de Edith Piaf. E de volta ao Mediterrâneo, algures entre o flamenco andaluz e a ninna nanna siciliana, “Oro”, que antecede o extasiante “Rituale”, caótico mas libertador. Finalmente, e voltando ao princípio, a integral, experimental e atonal “Introspezione” de toda esta ebulição caótica de estilos, géneros e efeitos pós-modernos. Comecemos a escutar precisamente por aí [pela última faixa] e, depois, “Ah, douleur”!

Tracklist:

1. Introspezione (2:05)
2. Les Plaisirs Sont Doux (3:36)
3. La Marmellata (2:33)
4. L'altalena (5:35)
5. Monologo (2:37)
6. Il Pavone (4:52)
7. Ah, Douleur! (4:16)
8. Deliée (5:00)
9. Oro (3:31)
10. Rituale (5:47)
11. Introspezione (integrale) (6:12)

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DIE LISTE #19

Älgarnas Trädgard – “Framtiden Är Ett Svävande Skepp, Förankrat i Forntiden” (1972)

“O futuro é um navio flutuante, ancorado no passado” é a tradução para português do título deste disco de 1972, o primeiro álbum do grupo sueco Älgarnas Trädgard. E de facto, é isso mesmo que nos oferece este LP, uma ronda futurista à tradição medieval do rock que brotou saturninamente da Suécia, embora celebrando a força verde da vida que se expandia por todo o universo. É claro que no início da viagem convém munirmo-nos de um bouquet florido e respirar o pólen colorido e ácido, para compreendermos a livre associação da inspiração mística de Hildegarde von Bingen – na teofania ecológica da sua Viriditas - com os efeitos eléctricos e panecóicos, nos anéis de Saturno. Contudo, neste Jardim de Alces (- é o que significa o nome do grupo), pastoreavam hippies suecos, que sonhavam lucidamente e com os ouvidos abertos aos sons que chegavam da Alemanha – não sendo difícil encontrar referências a Ash Ra Tempel, Amon Dull II ou mesmo Tangerine Dream. O uso que fizeram do estúdio como mais um instrumento entre outros (cuja variedade é ostensiva neste caso: desde violinos e tablas aos teclados e às guitarras eléctricas), faz ressoar as experiências de Faust e de Can.
“Duas horas sobre duas montanhas azuis com um relógio de cuco de cada lado, [de cada lado] das horas...entenda-se”, ou seja, o início deste inusitado álbum que mistura folk e ficção científica, que é marcado pelo bater de sinos soturnos de onde emergem gotas psicadélicas e o repicar choroso do baixo eléctrico, sob os solos entrecruzados da rebeca e da guitarra. Mas esta longa primeira faixa só termina depois de uma lúgubre marcha medieval que evolui numa amálgama anacrónica de organum perotiniano, osciladores, êxitos pop, sintetizadores e whitenoise. Mas “há um tempo para tudo, há um tempo para quando até mesmo o tempo se há-de reencontrar” numa dança jogralesca, rodeada de cães que ladram, ou numa raga indiana embalada pelo sitar. Revertidas numa balada, em “Children of possibilities”, ou circulando numa ronda rural, em “La Rotta”, voltamos à influência do folk. Viriditas introduz-nos no mundo onírico e inspirado da comunhão ecológica com o universo. “Rings of Saturn” é a mais familiar incursão no space rock, ainda que floresça repentinamente, como um cogumelo num terreno húmido, uma abertura hiperespacial no final da faixa. Para finalmente chegarmos ao navio encalhado, propriamente dito, entre o passado feito de escombros flutuantes e o futuro de bandeiras desfraldadas. Fiquemos com “There is a time for everything, there is a time when even time will meet” e depois “Viriditas”.

Tracklist:

1. Two hours over two blue mountains with a cuckoo on each side, of the hours...that is (13'13")
2. There is a time for everything, there is a time when even time will meet (6'11")
3. Children of Possibilities (3'12")
4. La Rotta (1'41")
5. Viriditas (3'00")
6. Rings of Saturn (7'15")
7. The future is a hovering ship, anchored in the past (5'07")

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DIE LISTE #18

Ghédalia Tazartès – “Transports” (1977)

Tazartès é de origem turca, mas nasceu em Paris, no “10ème arrondissement”, em 1947. Terá começado a cantar aos 12 anos, depois da morte da sua avó, mas apenas para si mesmo, deambulando primeiro pelo Bois de Vincennes e, depois, pelo resto da Europa, de Londres a Atenas até chegar à Àsia Menor, para visitar a terra natal de seu pai, Istambul. Destas suas viagens solitárias recolheu inúmeras experiências auditivas e delas fez a matéria dos seus discos futuros. Mas não estamos a falar de gravações de campo ou de mera “amostragem” de cariz étnico, estamos a falar de uma intensa experiência de audição activa que incorporou mais tarde, mecânica e electricamente, na composição concreta de uma heterogénea banda sonora - cinema para os ouvidos, segundo as lições de Michel Chion -, usando para isso mais do que bandas magnéticas e osciloscópios, a sua própria glote e as suas virtuosas cordas vocais. Foi Maio de 68 que o fez regressar a Paris, onde se tornou operário da General Motors em Genevilliers. Mais tarde, em 1974, participa num grupo bretão, decidindo comprar um micro, um magnetofone e uma câmara de eco, para então começar a forjar sozinho a sua própria linguagem musical, aquilo a que chamou de “Impromuz”.
Em 1977, no seu próprio estúdio de Paris, grava estas sessões de “Transports”, que ele mesmo produz, e que só editaria bem mais tarde, em 1984, pela Cobalt [por esse motivo podemos concluir que Steven Stapleton conhecesse apenas Ghédalia Tazartès do seu primeiro disco “Une Eclipse Totale du Soleil” de 1979, ainda que a inclusão do nome fosse feita só na lista adicional; apesar disto, escolhemos, de acordo com o Audion Guide, este disco por nos parecer também o mais digno de menção]. A música aqui gravada desafia qualquer tentativa de classificação, como muitos dos nomes desta lista, e falar de música industrial seria tão errado como falar de puro experimentalismo ou de música de cena, pois, embora corteje com todas estas zonas de criação musical, trata-se tão só de um singular e incomensurável idioma criativo – eventualmente, o tal “impromuz” – que só Tazartès saberá dizer. E por falta de palavras que o traduzam fiquemos com a sua música: ouçamos as quatro primeiras faixas do Lado A.

Nota: As 16 faixas não têm título na edição em LP.

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