
Nurse With Wound – “Chance Meeting on a Dissecting Table of a Sewing Machine and an Umbrella” (1978)
Cada um daqueles nomes incluídos na lista terá contribuído, graças à sua natureza original e idiossincrática, para constituir um acervo de experiências musicais e acústicas e um alfabeto criativo que permitiu a três inexperientes artistas aventureiros improvisar em meia dúzia de horas um álbum que haveria de ficar para a história das músicas alternativas. Apesar das circunstâncias espatafúrdias em que surgiu – Stapleton terá inventado numa conversa com o técnico de estúdio Nicky Rogers que tinha um projecto de música experimental de nome Nurse With Wound para, no fim de semana seguinte, poderem fazer a gravação do disco numa edição limitada a 500 cópias, depois de “requisitar” os seus amigos Fothergill e Pathak para formar a “banda” e de com estes recolher umas guitarras eléctricas, moduladores em anel, pedais de efeitos, um sintetizador em mau estado, brinquedos, flautas, ferramentas e utensílios domésticos, ao qual apenas se juntaria a “guitarra comercial” do próprio Rogers, o piano de Peter Hennig e a voz de Nadine Mahdjouba – este disco tornar-se-ia um objecto de culto para os amantes do bizarro e do inaudito, não só pela misteriosa lista de música experimental eléctrica dactilografada numa folha A4 inserida no LP de 1979, mas também pelo resultado sonoro dessa soma surrealista de encontros inesperados que a escolha genial do longo e inusitado título tão bem soube exprimir. E tal como na frase de Lautréamont, este disco é belo como a retractilidade das garras das aves de rapina, mas sobretudo como o encontro fortuito entre um guarda chuva e uma máquina de costura numa mesa de dissecação.
“Two Mock Projections” abre o lado A do álbum com o som da própria electricidade dos cabos de guitarra que ecoa pelo estúdio para envolver, juntamente com um drone electrónico e o loop reverberante de um pedal de efeitos, a deriva psicadélica da guitarra histriónica de John Fothergill e o solo melancólico do mais experimentado Rogers que se cruzam no tecido fibriloso de uma central eléctrica húmida. “The Six Buttons of Sex Appeal” liberta a energia libidinal do trio eléctrico, agenciada pela excessiva e periclitante velocidade de um ritmo bossa-nova do sintetizador, conjugada com o delírio maquinal de uma guitarra cega e as ejaculações vaporosas de um orgão fervilhante. Do lado B, apenas uma longa faixa de 28 minutos, cujo título ainda surrealista “Blank Capsules of Embroidered Cellophane” nos coloca numa paisagem onírica e estranhamente familiar, entre ruídos metálicos domesticados e as vibrações flutuantes de um piano preparado, deixa desenvolver uma poética musical claustrofóbica e desencantada mas nem por isso menos fértil.
Uma palavra final para o trabalho gráfico deste disco, da autoria do próprio Steven Stapleton, cuja força visual, aliando a pornografia sadomasoquista à violência dadaísta da foto-montagem, contribuiria para o sucesso insuspeito da edição limitada que esgotou poucas semanas depois de ter sido posta à venda no circuito “underground”. Valendo-lhe, por outro lado, alguns equívocos estéticos que marcariam a história do projecto nos primeiros anos, ligando-o à subcultura da “música industrial”.
Acabamos pois, não com um disco de um nome da lista, mas com o disco que deu nome à lista e ouçamos um excerto das três faixas que o compõem. Em fundo escutávamos a faixa extra “Strain, crack, break”. Boa audição.
Tracklist:
Lado A
1 Two Mock Projections (6:20)
2 The Six Buttons Of Sex Appeal (13:13)
Lado B
1 Blank Capsules Of Embroidered Cellophane (28:19)