Friday, September 28, 2007

4. ORIENTALISMO, PSICADELISMO E LSD


Estas três características, ainda que com particularidades na sua directa tradução para a produção musical alemã, abordam genericamente uma fusão de influências tipicamente associadas à época a que nos reportamos neste espaço – a segunda metade da década de 60 e inícios de 70. Este legado situa-se evidentemente num contexto global e não apenas na Alemanha, surgindo o nicho da costa oeste norte-americana, os grupos psych-folk britânicos e a psicadelia japonesa como alguns dos exemplos mais significativos. No entanto, no caso alemão, muitas das apropriações criadas figuram não apenas na primeira linha do universo kraut/kosmische, como também ocupam lugar de relevo para as aquisições da música contemporânea, pelo arrojo e pela assimilação instantânea de tais premissas à criação musical.
Apesar da anterior presença de motivos orientais por força do colonialismo, a marca orientalizante foi deixada nas artes sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, assentando num imaginário onde o exotismo muitas vezes expressava os aspectos tendencialmente ilícitos dos padrões sociais ocidentais. Este fascínio pelo Oriente acompanhou momentos críticos da evolução social ocidental constituindo-se como poderosa influência através das novas ideias da filosofia oriental, que, para além dos contributos artísticos veiculados, estimulou a emergência de novas alternativas.
Na evolução da música clássica e contemporânea, a presença do Oriente fez-se sentir a partir da obra Prélude à l’Áprés-Midi d’un Faune, de Claude Debussy, obra que marca também, segundo Paul Griffiths, o início da música moderna do ponto de vista estético e técnico. Os relatos de etnólogos nos anos 30 aguçaram a curiosidade de uma nova geração de músicos, como o caso de John Cage nas suas Sonatas e Interlúdios para Piano Preparado (1946-48), obra que pretendeu alcançar a expressão musical das emoções permanentes da tradição indiana: o heroísmo, o erotismo, o maravilhoso, o júbilo, a dor, o medo, a ira, o ódio e a tendência comum para a serenidade. A introdução de vários objectos junto das cordas do piano (parafusos, borrachas, pedaços de madeira e de plástico) cunhou motivos rítmicos numa estética mais tarde fundamentada pelos estudos de Cage em Filosofia Indiana e Budismo Zen. O resultado traduziu-se numa maior importância conferida à multiplicidade de esquemas rítmicos empregues nas composições musicais em detrimento dos timbres harmónicos. Outros compositores influentes a abarcarem a influência oriental nos seus trabalhos, em parte como “libertação” do convencionalismo instrumental europeu e também como inovação estrutural da composição, foram Olivier Messiaen (sonoridades do gamelão balinês e fórmulas rítmicas indianas em Turangalila-Symphonie) ou Steve Reich (estudou, no Gana, a música africana – Drumming).
A ancoragem do krautrock ao Oriente fez-se notar em nomes como Dzyan, Popol Vuh, Yatha Sydra, Limbus ou Deuter, entre outros, onde as notas da instrumentação (cítaras, marimbas, tamburas) conferem o travo orientalizante.
Se o Oriente surge como salto em frente na música moderna, também a superação das barreiras da percepção e da vida mental motivou um passo adiante. O psicadelismo, nos seus vários quadrantes artísticos, acaba por exultar um conjunto de características muito vincadas, de onde se destaca a popularização da experimentação das drogas alucinogéneas, sobretudo o LSD. Se este facto foi um hino da contracultura – com Timothy Leary a ter papel decisivo –, a verdade é que a sua generalização teve grande importância na forma como as potencialidades da experiência psicadélica foram incorporadas na criação musical da época. Inúmeros são os exemplos no panorama musical global; mas no que à música alemã diz respeito, alguns trabalhos têm lugar de destaque, ainda que com roupagens distintas, ora privilegiando as viagens espaciais da electrónica (Tangerine Dream, Cluster, Klaus Schulze, Conrad Schnitzler), a candura folk (Bröselmachine, Emtidi), as ácidas incursões rock (Guru Guru), delírios freak (Ash Ra Tempel, Cosmic Jockers ou Pyramid), apelos místicos e esotéricos (Sergius Golowin e Walter Wegmüller), a experimentação avant-garde (Can ou Faust) ou a alucinação comunal hippie (Amon Düul), entre outros.


Rolf-Ulrich Kaiser e Seven Up, o zénite do psicadelismo alemão
De entre os inúmeros discos transportam o universo da psicadelia germânica, Seven Up, o álbum que resultou da colaboração dos Ash Ra Tempel com Timothy Leary, em 1972, surge claramente como um marco neste capítulo do krautrock. Deverá no entanto dizer-se que o que torna este trabalho uma referência não se limita estritamente ao disco rock produzido. Esse encontro nos Alpes suíços foi a tradução alemã do espaço subversivo e clandestino ocupado por Dr. Leary, que na época andava a monte, foragido dos EUA, a propagandear os efeitos terapêuticos e espirituais da toma de alucinogéneos e a consolidar a sua aura de guru da contracultura. Do encontro saiu também a confirmação da visão cósmica de Rolf-Ulrich Kaiser, jornalista alemão e mentor de editoras-estandarte da cena alemã, como a Pilz, Ohr e Kosmiche Musik. Este visionário, pela forma como direccionou a criação de um produto musical genuinamente germânico, foi o grande impulsionador das gravações de Seven Up, tendo estado também directamente envolvido nas sessões dos Cosmic Jokers e de outros discos como Tarot, de Walter Wegmüller (que foi o autor da capa de Seven Up), ou Lord Krishna von Goloka, creditado a Sergius Golowin.
Por entre deambulações alucinogéneas, Kaiser idealizou a edição de projectos que fundiram a abordagem psicadélica com cenários místicos que aludiam ora a idílicos bosques em plena floresta negra, ora a espaciais viagens inter-galácticas. Aliás, grande parte do seu trabalho foi o de cunhar as coordenadas da kosmische musik através da Kosmische Kuriere, etiqueta subsidiária da Ohr, que se dedicou, ao longo de 17 LP’s, a evidenciar os traços distintivos da música psicadélica alemã, conduzidos, para além dos nomes supramencionados, por Witthüser&Westrupp, Klaus Schulze, Wallenstein, Popol Vuh e Mythos.
Em Seven Up, a declarada intoxicação e a profusão de talentos inebriados não ocultou a excelência do material sonoro conseguido. A ideia foi a de desenvolverem um mapa musicado dos alegados sete estádios de consciência presentes na viagem psicadélica, que Leary havia já traçado. Gravado em Munstergasse, Berna, nos Sinus Studios, o disco é composto por duas faixas, Space e Time, conceptualmente enquadradas na idiossincrasia que por entre ácidas nuvens se avista do vigésimo quinto andar da trip de LSD. Aliás, com todas as inexactidões a que a situação convida, o nome do álbum terá sido uma homenagem à bebida que, qual remake beatleliana, ocultamente, acolheu algumas gotas de LSD por alguém colocadas e passada inocentemente a todos os elementos da banda. À semelhança de outros álbuns dos Ash Ra Tempel, Seven Up apresenta-se com duas facetas distintas: uma mais veloz, o lado A, Space, volúpia desarrumada de azulados riffs ácidos de Manuel Götching e orgiásticas vozes por entre alterações de registo que galácticos efeitos electrónicos vão situando em “Downtown”, “Power drive”, “Right hand lover” e “Velvet genes”; e outra em toada mais pausada, no lado B, Time, encenação menos exuberante, sombria, em contínua paranóia sintetizada que já antes fazia sentir-se, e que nesta altura destaca aspectos mais recônditos da espiral descendente de “Timeship”, “Neuron” e “She”.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home