3.

Os anos que se seguiram ao final da II Guerra Mundial ficaram conhecidos na Alemanha como o período do Wirtschaftswunder, o milagre económico, o renascer das cinzas da poderosa indústria e economia germânicas. Durante estes tempos, e apesar das ajudas condensadas no famigerado Plano Marshall, as nações aliadas no geral tiveram um papel bastante castrador, com o desmantelamento de inúmeras indústrias e o confiscar de inúmeras patentes, propriedade intelectual de elevadíssimo valor. A geração que atravessou as vicissitudes do conflito mundial, e que agora empreendia um trabalho notável de recuperação, carregava igualmente o estigma apocalíptico associado às ideologias políticas radicais. Este estigma ou trauma reflectia-se numa atitude de passividade e aceitação das condições externas que lhes eram impostas, sem protestos, numa capitulação total e aniquiladora da expressão de um povo. Assim, paralelamente ao crescimento económico prodigioso, assistiu-se ao congelamento político e ideológico das massas, e consequentemente da música popular alemã. Continuava a falar-se de política é certo, mas num circuito de elite muito restrito, na academia musical, e evitava-se a todo o custo assumir posições que perturbassem o equilíbrio vigente.
Durante os anos do milagre económico produziu-se um outro milagre, a polinização da música alemã pelas sementes do rock através dos inúmeros soldados americanos que se encontravam em solo germânico. Refira-se a título de exemplo os Monks, conhecidos postumamente como os anti-Beatles, cuja formação era essencialmente composta por oficiais americanos estacionados na Alemanha. Longe de casa, num ambiente onde gozavam de uma liberdade assinalável, acabaram por produzir música classificada pela imprensa alemã como über beat, pois tinham uma essência bem mais pesada do que qualquer coisa que pairava na Europa ano de 1966.
A crítica social, política e ideológica volta a ser reintroduzida no discurso musical, no mesmo momento que emerge o fenómeno Krautrock, um fenómeno que se alimenta de inúmeras influências, em particular da importação norte-americana acima mencionada. Conduzido por uma geração que nasceu sensivelmente no ano zero (1945), que assim não teve qualquer contacto com a ideologia nazi e que, de certo modo perplexos pela passividade ideológica da geração anterior, vão apresentar críticas sociais inauditas no panorama musical.
Um grande número de bandas irá ter a sua origem nas comunas, experiências pragmáticas de reorganização da estrutura social que proliferavam pela Alemanha, numa reedição das contraculturas e movimentos hippies norte americanos e britânicos dos anos 60. As comunas não eram novidades no panorama social mundial. De cariz religioso, político, igualitário, cooperativo ou espiritual, sempre fizeram parte da vivência social humana. Como tributo a estas experiências, o grupo alemão Oktober grava em 1977 “Die Pariser Kommune”, uma ópera rock onde é narrada a história da famosa comuna de Paris do século XIX.
De entre as variadas comunas alemãs, uma delas destaca-se pelo seu contributo musical. Tomando para seu nome o deus do sol egípcio seguido de uma personagem da ficção turca, os Amon Duul nasceram em 1967, precisamente como comuna política radical de artistas sedeados em Munique. Esta comuna atingiu rapidamente o estatuto de culto pelas suas improvisações livres, que tinham lugar, na maior parte das vezes, em eventos organizados por movimentos políticos juvenis. A atitude prevalecente era de valorização da liberdade criativa e da participação comunitária, e desprezo relativo pelas capacidades ou competências técnicas dos indivíduos enquanto músicos. A formação do grupo era extremamente fluida. Quem fazia parte da comuna também tocava no grupo, independentemente das habilidades musicais que possuísse. Contudo, emergiu uma facção dentro da comuna que era bem mais ambiciosa, convencional e estruturada musicalmente, o que deu lugar a uma cisão em 1969 com a formação de dois componentes distintos: Amon Duul I e Amon Duul II, os últimos dos quais ainda hoje subsistem.
Embora não tão bem sucedidos no plano comercial como os seus sucessores, os Amon Duul I condensam em si o espírito de uma alegre experiência de libertação criativa, de igualdade entre todos os membros de uma comunidade, tendo acabado por produzir neste processo alguns dos discos mais interessantes da música alemã do século passado.
Enquanto que os Amon Duul I apostavam na própria forma de construção musical, no momento da improvisação como manifesto, outros grupos apostavam em formas bem mais directas e convencionais de transmitir as suas ideias políticas. A crítica social passou a ocupar uma posição de destaque também nas letras e nos concertos. Os Floh de Cologne eram um exemplo claro disso mesmo, um cabaret musical, espécie de teatro de revista nas actuações ao vivo, com produções teatrais sociopolíticas notáveis, onde se mesclava a sátira, o rock e o teatro. Contavam nas suas fileiras com o activista político Dieter Suverkrup, que escrevia as letras, que tinham um papel de monta na interacção com o público. O primeiro disco era um manifesto pacifista, chamando-se muito simplesmente “Vietnam”. Seguiu-se “Fliessbandbabys Beat-show”, “Rockoper Profitgeiger”, e finalmente “Lucky Streik”, um álbum ao vivo que reflecte tudo aquilo que temos vindo a escrever. Manifesto anticapitalista, revela uma particularidade bem interessante: quando as vozes se levantam para declamar, conversar ou cantar, todos os restantes instrumentos, guitarras, baterias, saxofone, entre outros, baixam o seu volume para que o conteúdo da mensagem fosse integralmente assimilado pela plateia.
Embora os discos de estúdio não o revelem, ao contrário daqueles que os Floh de Cologne gravaram, também os Guru Guru se esforçaram por transmitir ideias políticas através da sua música. Os seus concertos, nos finais dos anos 60 e princípio dos anos 70, tinham como pano de fundo uma orientação política de esquerda. Eram organizados em conjunto com a União de Estudantes Socialistas Alemães, e pautavam-se pela declamação de textos de cariz político entre as músicas. Artesãos de espectáculos extravagantes e anarquistas, alguns dos membros dos Guru Guru também viviam em comunas na região rural de Odenwald, onde experimentaram intensivamente estados alterados de consciência através do consumo de alucinogéneos. Mas isso será uma outra história, material para outra influência relevante no contexto do Krautrock, um estilo que reflectiu e contribuiu para o despertar da dormência política e ideológica do povo alemão.
Durante os anos do milagre económico produziu-se um outro milagre, a polinização da música alemã pelas sementes do rock através dos inúmeros soldados americanos que se encontravam em solo germânico. Refira-se a título de exemplo os Monks, conhecidos postumamente como os anti-Beatles, cuja formação era essencialmente composta por oficiais americanos estacionados na Alemanha. Longe de casa, num ambiente onde gozavam de uma liberdade assinalável, acabaram por produzir música classificada pela imprensa alemã como über beat, pois tinham uma essência bem mais pesada do que qualquer coisa que pairava na Europa ano de 1966.
A crítica social, política e ideológica volta a ser reintroduzida no discurso musical, no mesmo momento que emerge o fenómeno Krautrock, um fenómeno que se alimenta de inúmeras influências, em particular da importação norte-americana acima mencionada. Conduzido por uma geração que nasceu sensivelmente no ano zero (1945), que assim não teve qualquer contacto com a ideologia nazi e que, de certo modo perplexos pela passividade ideológica da geração anterior, vão apresentar críticas sociais inauditas no panorama musical.
Um grande número de bandas irá ter a sua origem nas comunas, experiências pragmáticas de reorganização da estrutura social que proliferavam pela Alemanha, numa reedição das contraculturas e movimentos hippies norte americanos e britânicos dos anos 60. As comunas não eram novidades no panorama social mundial. De cariz religioso, político, igualitário, cooperativo ou espiritual, sempre fizeram parte da vivência social humana. Como tributo a estas experiências, o grupo alemão Oktober grava em 1977 “Die Pariser Kommune”, uma ópera rock onde é narrada a história da famosa comuna de Paris do século XIX.
De entre as variadas comunas alemãs, uma delas destaca-se pelo seu contributo musical. Tomando para seu nome o deus do sol egípcio seguido de uma personagem da ficção turca, os Amon Duul nasceram em 1967, precisamente como comuna política radical de artistas sedeados em Munique. Esta comuna atingiu rapidamente o estatuto de culto pelas suas improvisações livres, que tinham lugar, na maior parte das vezes, em eventos organizados por movimentos políticos juvenis. A atitude prevalecente era de valorização da liberdade criativa e da participação comunitária, e desprezo relativo pelas capacidades ou competências técnicas dos indivíduos enquanto músicos. A formação do grupo era extremamente fluida. Quem fazia parte da comuna também tocava no grupo, independentemente das habilidades musicais que possuísse. Contudo, emergiu uma facção dentro da comuna que era bem mais ambiciosa, convencional e estruturada musicalmente, o que deu lugar a uma cisão em 1969 com a formação de dois componentes distintos: Amon Duul I e Amon Duul II, os últimos dos quais ainda hoje subsistem.
Embora não tão bem sucedidos no plano comercial como os seus sucessores, os Amon Duul I condensam em si o espírito de uma alegre experiência de libertação criativa, de igualdade entre todos os membros de uma comunidade, tendo acabado por produzir neste processo alguns dos discos mais interessantes da música alemã do século passado.
Enquanto que os Amon Duul I apostavam na própria forma de construção musical, no momento da improvisação como manifesto, outros grupos apostavam em formas bem mais directas e convencionais de transmitir as suas ideias políticas. A crítica social passou a ocupar uma posição de destaque também nas letras e nos concertos. Os Floh de Cologne eram um exemplo claro disso mesmo, um cabaret musical, espécie de teatro de revista nas actuações ao vivo, com produções teatrais sociopolíticas notáveis, onde se mesclava a sátira, o rock e o teatro. Contavam nas suas fileiras com o activista político Dieter Suverkrup, que escrevia as letras, que tinham um papel de monta na interacção com o público. O primeiro disco era um manifesto pacifista, chamando-se muito simplesmente “Vietnam”. Seguiu-se “Fliessbandbabys Beat-show”, “Rockoper Profitgeiger”, e finalmente “Lucky Streik”, um álbum ao vivo que reflecte tudo aquilo que temos vindo a escrever. Manifesto anticapitalista, revela uma particularidade bem interessante: quando as vozes se levantam para declamar, conversar ou cantar, todos os restantes instrumentos, guitarras, baterias, saxofone, entre outros, baixam o seu volume para que o conteúdo da mensagem fosse integralmente assimilado pela plateia.
Embora os discos de estúdio não o revelem, ao contrário daqueles que os Floh de Cologne gravaram, também os Guru Guru se esforçaram por transmitir ideias políticas através da sua música. Os seus concertos, nos finais dos anos 60 e princípio dos anos 70, tinham como pano de fundo uma orientação política de esquerda. Eram organizados em conjunto com a União de Estudantes Socialistas Alemães, e pautavam-se pela declamação de textos de cariz político entre as músicas. Artesãos de espectáculos extravagantes e anarquistas, alguns dos membros dos Guru Guru também viviam em comunas na região rural de Odenwald, onde experimentaram intensivamente estados alterados de consciência através do consumo de alucinogéneos. Mas isso será uma outra história, material para outra influência relevante no contexto do Krautrock, um estilo que reflectiu e contribuiu para o despertar da dormência política e ideológica do povo alemão.
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