Friday, March 21, 2008

DIE LISTE #48

Philippe Doray – “Nouveaux modes industriels” (1978)

Muitas razões há para que se possa falar, sem grande risco de polémica, em “krautrock”, fazendo-lhe corresponder uma entidade estético-musical, mais ou menos homogénea, situada histórica e espacialmente. Do outro lado do Reno, porém, é mais difícil encontrar um equivalente contemporâneo, algo no género de um “rock choucroute”. Esta dificuldade deve-se menos à ausência de produção musical ou de qualidades técnicas e estéticas do que a uma heterogeneidade difícil de apreender e domesticar num esquema de identificação. Não faltam exemplos franceses, nesta lista que insistimos em explorar e que não deixa de nos surpreender, onde o carácter de excepção e a singularidade, ao mesmo tempo, excitam os nossos sentidos e impedem o exercício da organização semântica. O caso não seria para menos no confronto com o trabalho de Philippe Doray: lexicógrafo e linguísta, investigador na Sorbonne, criador de novas linguagens performativas e conceptor de espaços de comunicação mediados pela tecnologia, autor de jogos de palavras para pequenos e graúdos, “gyrophonista”, poeta.
O disco que se traz hoje aqui foi editado pela Scopa Invisible Records, em 1980, mas gravado entre Maio de 1978 e Janeiro daquele ano. “Nouveaux modes industriels” é o segundo álbum de Philippe Doray et les Asociaux Associés. O primeiro, o aclamado “Ramasse-miettes nucléaire”, e muito provavelmente aquele que lhes fez merecer uma entrada na colecção de Steven Stapleton, tem uma aura de culto, mas permanece-nos ainda, até ao momento, inaudito. Contudo, e sem medo de cometer injustiças, pode dizer-se que se Stapleton tivesse ouvido este segundo álbum antes de inventariar os nomes da sua lista, o nome de Philippe Doray não deixaria de ali ser incluído. Depois do que já foi dito, é redundante invocar a dificuldade de classificação para justificar o embaraço na tentativa de descrição deste disco, recorreremos, pois, a metáforas e outros tropos retóricos.
Ficamos assim à escuta de rock’n’roll moído metalicamente por instrumentos de cozinha, triturado magneticamente e embalado em latex elástico, para ser transportado num bidão de zyklon B reverberante. Pois, parece reconhecer-se a dada altura – especificamente na primeira faixa do lado B, “Musique pour résidences secondaires” - a herança de Throbbing Gristle, ainda que destilada num humor funky com sabor a água raz ou pastis Ricard. As praias da Normandia, ainda fétidas pelo odor dos cadáveres do famoso desembarque, exalam ali – em “Page de magazine” - o cheiro a crude onde as gaivotas moribundas entoam os últimos cantos metamorfoseadas em negros cisnes brilhantes. Detritos poéticos de uma burguesia pequena e enlatada em bairros associais e peripatéticos que parece querer purificar-se com incensórios fumegantes de dióxido de carbono, no ritmo sincopado de uma charanga sem carburante. Amontoadas como ferro-velho numa escultura de Kurt Schwitters, cinco faixas compõem o lado A e outras cinco o lado B, numa ilusória simetria derretida pelo efeito do calor numa placa negra de ploricloreto estriado. Mas porque as palavras são insuficientes e perversas, ouçamos o próprio disco: 1º “Latex”, a 3ª faixa do lado A; depois a já referida “Musique pour résidences secondaires”; e por fim “Que dit le chef”. Em fundo, escutávamos a última faixa do lado B, “Le petit herisson jaune”.

Tracklist:

A1 Contrechant Magnetique (5:09)
A2 Que Dit Le Chef? (4:08)
A3 Latex (3:19)
A4 Clair Et Net (2:24)
A5 Dans Le Dedale (4:44)

B1 Musique Pour Residences Secondaires (2:37)
B2 Page De Magazine (4:27)
B3 Poubelles (4:02)
B4 Le Petit Herisson Jaune (2:23)
B5 Pas De Service Apres Vente (6:46)

Labels:

0 Comments:

Post a Comment

<< Home