Friday, March 14, 2008

A REVOLUÇÃO ELECTRÓNICA: DE ASHRA A @SHRA

Os Ashra eram, na sua essência, o projecto a solo de Manuel Göttsching, e traduziram uma evolução natural no caminho da simplicidade, a começar pela redução do nome – de Ash Ra Tempel para Ashra – e a terminar na sonoridade, com a ênfase na electrónica meditativa a suplantar o delírio psicadélico de outrora. A transmutação foi lenta, como qualquer trabalho alquímico que se preze, e teve lugar em 1977 com a gravação de dois trabalhos, “New Age Of Earth” cujas primeiras edições foram creditadas a Ash Ra Tempel, mas que reedições nos anos seguintes apresentaram a marca registada Ashra, e “Blackouts”. Seguiram-se “Correlations” e “Belle Alliance”, em 1979 e 1980 respectivamente, que traçaram as novas coordenadas para o futuro de Göttsching: do templo cósmico para domínios estritamente electrónicos, em voga na cena de Berlim e epitomizada pelos Tangerine Dream de Edgar Froese, mas salpicados aqui e ali, como não poderia deixar de ser, com as deambulações de uma guitarra irrequieta. A década de 1980 foi um período de hibernação para o projecto que reemerge em 1989 com “Walkin’ The Desert” e “Tropical Heat” de 1991. Este último a marca o final para as gravações de estúdio, mas não se trata da última oferta de Göttsching aos adeptos da música electrónica. Depois de mais um interregno de cerca de dez anos, similar ao primeiro, os Ashra lançam três discos ao vivo “Sauce Hollandaise” (1998), “@shra” (1998) e “@shra Vol. 2” (2002).
É mais uma vez numa transição que nos situamos, desta feita com a inclusão de um simples “@” que demarca a entrada de Göttsching na era da informação e da Internet. O primeiro volume, “@shra”, foi gravado ao vivo no Club Quattro em Osaka e no On-Air-West de Tokyo, editado no Japão pela profícua Captain Trip e na Alemanha pela Think Progressive. Ao visualizar o alinhamento constante na capa do disco, qualquer indivíduo, minimamente inteirado da história do Krautrock, fica de “orelhas no ar”. Para além de Göttsching, encontramos Lutz Ulbrich, dos Agitation Free, nas guitarras e teclados, e Harald Grosskopf, dos Wallenstein, nas percussões, acompanhados por um desconhecido Steve Baltes no baixo. A tónica dos momentos iniciais do disco é apelativa, revelando um ambiente sonoro sombrio cuidadosamente sintetizado, uma electrónica opressiva que paradoxalmente traz implícita a promessa de libertação. Contudo, cinco minutos volvidos e eis que surge uma batida 4/4 que teima em não desaparecer ao longo de todo o disco, e que deita por terra todas as expectativas criadas em torno dele. Uma batida que desperta o adepto de tunning que existe, bem fundo, no inconsciente de cada um de nós, e que se traduz numa vontade tremenda em adquirir um novíssimo tubo de escape de alto rendimento para a nossa viatura.
Este pequeno elemento acaba por arruinar um álbum que até é bem cotado entre os círculos dedicados a estas sonoridades. Para não finalizar esta crónica de forma demolidora, concedamos a Göttsching o benefício da dúvida. Em primeiro lugar, em 1998 vivia-se em pleno êxtase da música de dança e do fenómeno clubbing, e afinal o contexto era uma discoteca japonesa que, a julgar pela reacção e aplausos do público que se podem ouvir, estava satisfeita com a música dos alemães. Em segundo lugar, o que hoje soa pessimamente mal poderá ser agradável num futuro mais ou menos próximo, mais ou menos distante. Até que isso aconteça o melhor será mesmo esperar sentado, quem sabe, ao som dos primeiros discos de Ashra.

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