Wednesday, November 28, 2007

5. MÚSICA CONTEMPORÂNEA EXPERIMENTAL: O CONTRIBUTO DE STOCKHAUSEN

A nomeação directa de influências está sujeita a considerável indeterminação atendendo ao carácter volátil do fenómeno e à vasta miríade de eventuais conexões passíveis de serem destacadas. Reduzir a influência que a música contemporânea experimental teve no krautrock apenas ao legado de Stockhausen será, pois, altamente redutor. Mas, de facto, Stockhausen foi uma das figuras cimeiras do experimentalismo electrónico na música, estando o seu nome gravado na galeria dos mais notáveis e influentes compositores da música contemporânea do século. O seu trabalho adquiriu visibilidade – apesar de sempre conotado com as vanguardas – durante o final da década de 50 e na década de 60, precisamente a época da explosão da música electrónica, com a disseminação de estúdios em vários países, pelo que a sua associação aos vários projectos que germinaram na Alemanha alguns anos volvidos aparece como óbvia. Aliás, mais do que mera afinidade geográfica, Stockhausen foi mesmo professor de composição de alguns dos mais influentes nomes da cena alemã, tais como Holger Czuckay (Can) ou Conrad Schnitzler (Tangerine Dream, Kluster e Eruption).
Após a II Grande Guerra Mundial, como alguém disse, uma outra frente da Guerra-Fria avançava: França e Alemanha, reeditando anteriores batalhas, adoptavam posturas distintas na abordagem à música electrónica. Em França, Pierre Schaeffer liderava o GRM (Groupe de Recherches Musicales), sediado em Paris, privilegiando a captação e junção de fragmentos de sons gravados e depois modificados em estúdio – a música concreta; em Colónia, sob orientação de Herbert Eimert, estabelecia-se o Studio für Elektronische Musik, em 1951, que surgiu afiliado à rádio da Alemanha Ocidental (WDR) e dedicando-se à total seriação da música como forma de remover o mais possível os sentimentos do processo de composição – a “música electrónica pura”. É neste contexto que Stockhausen emerge. Apesar de mais tarde colaborar e vir a dirigir os estúdios de Colónia, é curioso o facto de o compositor alemão ter sido um ilustre visitante e aprendiz do GRM, corria o ano de 1952, sendo então estudante de Oliver Messiaen. Aí terá tido as suas primeiras experiências com a edição de fitas magnéticas, das quais resultaram Étude (1952), uma peça de pouco mais de três minutos que influenciou decisivamente o autor.
As composições de Stockhasusen reflectiam o seu interesse pelo estudo depurado do fenómeno sonoro em si mesmo, isto é, pela sua estrutura formal e molecular. Este purismo estético, resgatado à Teoria de Campo Unificado da Física, a par do galopante avanço tecnológico dos recursos de estúdio disponíveis, permitia-lhe um controlo total dos vários parâmetros do som. Compositor e som fundem-se, gerando-se uma dinâmica aglutinadora do ritmo, da melodia e da harmonia.
Studie II foi uma das peças de fita magnética manipuladas na primeira performance ao vivo do estúdio de Colónia, a 19 de Outubro de 1954. Tratou-se do primeiro trabalho de música electrónica para o qual foi escrito uma pauta.
Em 1956 surge Gesang der Jünglinge, obra de influência vital para a música electrónica da década de 50. A composição incluiu sons acústicos, tal como as produções dos colegas de França, rompendo com a música electrónica pura dos seus colegas de Colónia. O objectivo foi a fusão dos componentes do som gerado por um coro juvenil com tons e timbres equivalentes electronicamente produzidos, juntando-os como um elemento musical fluido e interligado de grande complexidade. A peça, de 13 minutos, revela um grande dinamismo nas oscilações entre fragmentos de sons compostos e as vozes corais retiradas de um texto do Livro Bíblico de Daniel. Inicialmente pensada para ser apresentada na Catedral de Colónia, os intentos de Stockhausen esbarraram na relutância da Igreja em permitir a inclusão de tal parafernália no espaço sagrado…
Stockhausen foi um dos compositores que mais terá contribuído para a renovação do estúdio da WDR no final da década de 50, levando até ao limite os seus recursos técnicos. Advogou a ultrapassagem das limitações do serialismo, defendendo a composição e decomposição do som, numa espécie de construção do mesmo. Por esta altura Stockhausen estabelecera alguns critérios ou princípios que governaram a sua prática composicional, um manifesto em favor do controlo total do som e da sua construção.
Durante a década de 60, a natureza dos seus trabalhos muda significativamente. Já director dos estúdios da WDR, interessa-se pelas performances ao vivo das suas composições com orquestras, talvez como reflexo do seu interesse no estudo da propagação espacial do som – Kontakte e Gruppen –, mas também como resposta a algumas das limitações apontadas à música electrónica da época, que se prendiam com o seu efeito aparentemente amorfo. Numa segunda versão de Kontakte, um pianista e um percussionista tocaram fita gravada, conferindo “orientação e perspectiva à experiência auditiva, funcionando como sinais de trânsito no espaço ilimitado do recém-descoberto mundo dos sons electrónicos”. Estas palavras de Stockhausen anunciavam a revolução da composição da música electrónica com o advento dos sintetizadores, que ofereciam uma enorme variedade de sons para manipular. O grande interesse centrava-se, então, na execução ao vivo dos equipamentos electrónicos.
A primeira peça de música electrónica ao vivo composta por Stockhausen foi Mikrophonie I (1964-65), na qual uma espécie de gongo de enormes dimensões é percutido por dois executantes com vários objectos, enquanto outros dois recolhem as vibrações com microfones e mais dois controlam a respectiva transformação electrónica dos sons.
Hymnen (1966-67) é para muitos a obra mais importante do compositor alemão. Com 113 minutos de duração, a peça consiste na manipulação de vários hinos nacionais, modificando-os, fazendo colagens, adicionando interferências; tudo com um sentido preciso e planeado das sequências dos sons.
Perante a magnitude das suas obras e do legado experimental deixado, facilmente se reconhece influência de Stockhausen em vários projectos alemães. A audição de Tago Mago ou de Ege Bamyasi, dos Can; os primeiros discos dos Faust; os trabalhos electro-acústicos dos K(C)luster deixam pistas que permitem vislumbrar isso mesmo. Porém, a marca integrada mostra-se sobretudo conceptual, traduzindo horizontes desbravados no que à inovação musical contemporânea diz respeito.

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