Friday, March 14, 2008



A BRINCADEIRA CÓSMICA DE ROLF-ULRICH KAISER

Muita da música confeccionada na Alemanha durante o fecundo período de finais da década de 1960 até ao início da década de 1980, está envolta numa neblina de mistério. Embora os Cosmic Jokers não sejam decerto o mais obscuro exemplo musical da era a que nos reportamos - em sonoridade e em acessibilidade -, à sua génese associa-se um empolgamento empreendedor que, fora do estúdio, terá ajudado a delinear a excelência de muitos dos projectos que, como este, por aqui são destacados.

Foi do mítico estúdio de Dieter Dierks que saiu o melhor grupo de música psicadélica alemã que jamais existiu: os Cosmic Jokers. À parte a penumbra que naturalmente envolve acontecimentos passados há mais de 30 anos, o contexto das gravações do grupo contribuem, por si só, para que a linha temporal dos acontecimentos seja misturada de confusão, encontros e desencontros.
Na primeira metade da década de 1970, Rolf-Ulrich Kaiser, visionário jornalista alemão e mentor de editoras-estandarte da cena alemã, como a Pilz, Ohr ou Kosmische Musik, idealizou criar um produto musical capaz de transcender as fronteiras da realidade, editando projectos que fundiam a abordagem psicadélica e cenários místicos e esotéricos com rock espacial. A tradução prática desta ideia foi “Die Kosmischen Kuriere”, etiqueta subsidiária da Ohr que albergou os trabalhos de Sergius Golowin e de Walter Wegmuller, para além de Seven-Up, com os Ash Ra Tempel e Timothy Leary.

Kaiser foi o mentor da ideia por detrás dos Cosmic Jokers. Sob o pretexto da criação improvisada, organizou encontros de músicos, de Fevereiro a Maio de 1973, no estúdio de Dierks, em Colónia, dando-lhes em troca acesso sem restrições a alucinogéneos. Do ácido festim constavam Dieter Dierks, os membros dos Ash Ra Tempel, Manuel Göttching e Klaus Schulze e Jurgen Dollase e Harald Grosskopf dos Wallenstein. Kaiser juntou as longas horas de material e uma vez devidamente trabalhado decidiu editar os discos na sua editora Kosmische Musik, tudo isto sem os músicos terem qualquer conhecimento.
Em 1974 foram editados três discos – The Cosmic Jokers, Galactic Supermarket e Planeten Sit-In –, para além de mais duas compilações da referida editora, mais tarde também creditadas a estes brincalhões cósmicos, Sci-Fi Party e Gilles Zeitschiff.
O primeiro disco, homónimo, está dividido em duas faixas, uma para cada lado do vinil: “Galactic Joke” onde imperam os sintetizadores e as guitarras filtradas por uma panóplia de efeitos; e “Cosmic Joy” que complementa a música ambiental do primeiro tema com delírios percussivos plenos de efeitos. No segundo álbum, Galactic Supermarket, Rosi, namorada de Göttsching, e Gille Lettman, namorada de Kaiser, participam nas gravações, emprestando narrações celestiais à viagem intergaláctica. Tal como o seu predecessor, este segundo registo é composto por duas longas músicas, mas aqui os arranjos de Mellotron são bastante mais complexos, aproximando-se das orquestrações dos Wallenstein. O terceiro e último registo é consideravelmente distinto, pois trata-se de uma verdadeira manta de retalhos, com temas de curta duração compostos por pequenos fragmentos sonoros das extensas sessões de gravação, editados e misturados para dar uma ideia de continuidade ao longo do disco . Um pequeno embuste diríamos, quando comparado com a grande trama engendrada em torno deste projecto.
Reza a lenda que, algures em 1974, ao entrar numa loja de discos em Berlim, Manuel Göttsching, líder dos Ash Ra Tempel, ficou deveras surpreendido pela música, ao mesmo tempo estranha e familiar, que vertia dos altifalantes do estabelecimento comercial. Intrigado, dirigiu-se ao balcão e perguntou ao empregado que disco estava a tocar. Para seu espanto tratava-se dele próprio. A sua fotografia bem visível na capa do disco não dava lugar a qualquer dúvida. Os intentos megalomaníacos de Kaiser acabaram então por chocar com a sóbria realidade quando Klaus Schulze decidiu activar as vias legais e processar Kaiser, levando a que os discos fossem retirados do mercado em 1975, e a que Kaiser fugisse da Alemanha, precipitando também o fim do seu império discográfico.
Esquecendo o exemplo de desonestidade para com o trabalho artístico, este projecto representa, talvez, uma das facetas mais eloquentes da psicadélia alemã. Sem alguma vez terem existido, os Cosmic Jokers são uma viagem musical sob a batuta da guitarra ácida de Göttching e das manipulações sintetizadas de Schulze que, para gáudio dos apreciadores, brotou da astuta mente de Rolf-Ulrich Kaiser.

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